Em outubro de 2008, um indivíduo que se dizia chamar Satoshi Nakamoto decide publicar um documento pdf a propor uma moeda digital. A crise financeira acabara de estalar e o seu objetivo era apresentar ao mundo, em nove páginas, uma nova divisa que não estivesse dependente das regras do sistema bancário global. Hoje, esta personagem de que pouco ou nada se conhece, exceto os seus dotes informáticos, é uma das pessoas mais ricas do mundo. Terá sido ele (ou ela?) a criar a Bitcoin. E fê-lo com um enorme jeito para o negócio: reservou para para si próprio um milhão de unidades, as quais valem agora qualquer coisa como 17 mil milhões de dólares. Um valor que lhe permite integrar a lista das 100 maiores fortunas do planeta.
Sobredotados e remadores
O mais espantoso é a Bitcoin continuar a valorizar-se a um ritmo estratosférico e a gerar ganhos que nem os traficantes de droga poderiam imaginar. Entre os grandes beneficiados, além do misterioso Satoshi Nakamoto, estão dois irmãos americanos: Cameron e Tyler Winklevoss. Estes gémeos monozigóticos, de 36 anos e quase dois metros de altura, inspiraram o filme realizado em 2010 por David Fincher, a Rede Social. Foram eles os coautores do Facebook, quando frequentavam a Universidade de Harvard, e um jovem programador chamado Mark Zuckerberg se apropriou da ideia.
O caso motivou uma batalha judicial que só terminou em 2011, após os Winklevoss receberem uma indemnização de 65 milhões de dólares. Uma quantia apreciável para o comum dos mortais mas que estava longe de impressionar os manos tidos como sobredotados e oriundos de uma família abastada.Filhos de um antigo professor da Universidade da Pensilvânia, doutorado em Matemática, Cameron e Tyler sempre foram especiais. Na infância aprenderam a tocar vários instrumentos e na adolescência despertaram para a tecnologia, ao mesmo que tinham aulas de latim e grego. Nos intervalos tinham ainda tempo para o desporto em geral e o remo em particular. À custa desta modalidade, ganharam a alcunha de “dupla de Deus” e participaram nos Jogos Pan-americanos de 2007, no Rio de Janeiro, e ainda nas olimpíadas de Pequim, no ano seguinte. Os negócios acabariam por impor-se à carreira desportiva, na sequência de uma pós-graduação em Oxford.
Investidores no protocolo de Deus
Desde então, um e outro suplantaram o progenitor, que possui uma empresa de consultadoria especializada em investimentos de risco. A dupla terá percebido como poucos o potencial das criptomoedas e da tecnologia que lhes serve de base, a Blockchain. Esta última é por vezes designada como o Protocolo de Deus por combinar uma arquitetura digital que garante a confidencialidade e a discrição em qualquer transação online: as ligações P2P (de par a par, sem necessidade de um servidor central); a criptografia; e o timestamping (operações que decorrem num período temporal específico). Para alguns analistas, caso de Don Tapscott, trata-se de uma revolução que permite eliminar intermediários e criar uma nova internet do dinheiro, em que cada um de nós pode ser dono e senhor dos seus dados. Em contrapartida, os que alertam para os perigos desta realidade virtual alegam que a Bitcoin e as outras mil criptomoedas que entretanto foram criadas são algo que só interessa a quem se dedica à compra e venda de produtos e serviços clandestinos na Dark Web – drogas, armas e afins.
Os Winklevoss discordam e por isso mesmo compraram, logo em 2013, 11 milhões de Bitcoins, segundo o CoinDesk, um site informativo sobre moedas digitais. Eles nunca confirmaram esse valor mas admitem ter feito uma bela maquia e, a 8 de dezembro, Cameron garantiu à agência Bloomberg que não pretendem desfazer-se de tais ativos. Bem pelo contrário: “Nós acreditamos que a Bitcoin pode até substituir o ouro. (…) Isto é só o princípio.” Dois dias depois, algo que muitos julgavam impensável acontecia. A CBOE de Chicago, a 10ª maior bolsa de derivados do mundo, começava a negociar contratos em Bitcoins. A moeda inventada por Nakamoto e promovida pelos Winklevoss iniciava o caminho para a sua institucionalização, com a bênção das autoridades financeiras dos EUA e o envolvimento direto de várias casas de corretagem, fundos de investimento e até de bancos como a Goldman Sachs e o ABN Amro. Ao contrário das expectativas, durante as primeiras 48 horas, não houve nenhum crash a bolha especulativa continuava sem rebentar. Ou seja, ainda não é desta que John McAfee, o libertino programador pioneiro no software antivírus, vai ter de comer os seus órgãos genitais por se enganar nas previsões cibernéticas. Os Winklevoss têm ainda mais razões para celebrar – a conta bancária de cada um deles já deve ultrapassar os mil milhões de dólares.
(Artigo publicado na VISÃO 1263 de 14 de dezembro)