Será o México um país formal? Protocolo a quanto obrigas, que atire a primeira pedra o país que não tenha o seu. A cerimónia de abertura da FIL de Guadalajara é exactamente o que diz ser: um momento solene, o longo prelúdio da maior celebração literária de toda a América Latina.
Como em alguns romances, o tamanho conta, mesmo quando se pode reduzir tudo a umas quantas páginas. Ou, no caso da cerimónia de abertura, fazer seus os cumprimentos anteriores. Mas não. Cada orador faz questão de nomear, uma a uma, as individualidades presentes. E a mesa está bem preenchida, quase duas dezenas de figuras, com representantes institucionais e governamentais, incluindo a Ministra da Cultura de Portugal, Graça Fonseca.
Tudo corre como previsto e como mandam as regras, até a voz ser dada a uma poeta. “Os protocolos existem para serem quebrados”, diz Ida Vitale, a grande homenageada da edição deste ano da FIL e a decana dos escritores presentes. Desde que ouviu esta frase fez dela arma para situações como estas. E com uma frase apenas salva a sessão.
Aos 95 anos, a poeta uruguaia é a última representante da geração de 45, que mudou radicalmente o entendimento da poesia na língua espanhola. Este ano foi distinguida com o principal prémio literário da feira do livro, antigamente chamado Juan Rulfo, hoje Prémio de Literatura em Línguas Românicas, a que se juntou, há duas semanas, o Prémio Cervantes.
Sem discurso preparado, nem palavras impostas pelas circunstâncias, Ida Vitale fala como vive: com emoção e sem programa. Se a sua poesia busca os limites da linguagem, a sua intervenção lembra o que há de mais importante no mundo, literário ou não. A generosidade e a capacidade de receber o Outro e de lhe proporcionar a realização dos seus sonhos.
Teve essa sorte, no México, quando aqui se exilou em 1974. Nessa altura, teve ainda outra sorte: a amizade de Octavio Paz, que a convidou a escrever em publicações literárias. Talvez por isso tenha feito do sorriso um muro contra as adversidades do mundo. Na sua breve intervenção, foi apenas isso que quis sublinhar. As pessoas e as instituições (nomeadamente o Fundo de Cultura Económica mexicano) que definiram uma rede de solidariedade poética.
Com a sua vivacidade e inteligência, Ida Vitale é a figura mais luminosa da edição deste ano da FIL. Sobre Portugal, diz ser leitora da poesia de Fernando Pessoa. Sobre o Prémio Cervantes que recebeu (é apenas a quinta mulher a ser distinguida), lembra que cresceu numa família em que as mulheres sempre cumpriram os seus sonhos e que se sente, obviamente, muito honrada.
Sobre a poesia defende que é a sua “sobrevida”, a vida mais verdadeira que alguma vez viveu.