“Eu não sabia muito bem o que esperar, exceto que a ciência por trás da ideia parecia fascinante e eu estava interessado em saber mais sobre o assunto”, confidenciou à VISÃO Philip Ball, escritor britânico especializado em ciência, sobre o momento em que foi abordado pelo líder do projeto Created Out of Mind do departamento de Neurologia da University College London (UCL), que lhee perguntou se estava interessado em fazer parte da sua equipa e ficar responsável por comunicar o resultado a uma grande audiência.
Mas quando o escritor doou uma amostra da pele do seu braço a um laboratório de neurociência, estava longe de imaginar as repercussões que isso teria.
No seu novo livro, How to Grow a Human: Adventures in Who We Are and How We Are Made, Ball descreve a experiência, que resultou na criação de réplicas do seu próprio cérebro e conta como todo este processo o fez questionar a própria identidade humana e a maneira como via a ciência. As experiências demoraram entre sete a oito meses, o tempo necessário até o primeiro míni cérebro se formar.
“Primeiro, foram retiradas células do meu braço”, explica o britânico. “Depois foram adicionados alguns genes, que, normalmente, apenas estão ativos quando ainda somos embriões”, continua. “Quando as células da pele receberam estes genes adicionais, elas passaram a um estado ‘semelhante’ aos das células estaminais, células capazes de se dar origem a outro tipo de tecidos.
“Depois, estas ‘células estaminais convertidas’ foram tratadas com outros ingredientes químicos de forma a transformarem-se em neurónios. Desta forma, as células ligaram-se como se tratasse de um cérebro biológico. É como se, de alguma forma, os neurónios ‘soubessem’ como se organizarem num cérebro – apesar de quando este fenómeno acontece num laboratório isto acontecer de forma imperfeita.”
O contacto com uma réplica, embora imperfeita, do seu cérebro despertou várias emoções no cientista. “Antes de o projeto iniciar, Selina Wray, cientista que liderou o projeto, já me tinha explicado o que ia acontecer. O que eu não sabia era como é que me ia sentir em relação a isso.”
“Sentia que essas células me pertenciam, apesar de terem sido desenvolvidas num laboratório. Não sentia que era ‘dono’ delas, mas sentia uma certa ‘afinidade’.”
Toda esta experiência levou a que o britânico, para além dos artigos com que mantinha o público atualizado em relação a este projeto, escrevesse, também, um livro onde descreveu a experiência e todas essas sensações.
“O livro é, essencialmente, sobre a ciência de ‘reprogramar’ células e o que pode ser feito com esta informação. Nomeadamente, desenvolver órgãos substitutos quando os nossos começarem a funcionar mal”, explica. “Mas também estou interessado no que este conhecimento pode ter na perceção da nossa própria identidade. Se qualquer célula do nosso corpo se pode transformar noutro tipo completamente diferente de célula, o que é que isso representa na perceção que temos do nosso corpo? Se uma célula de pele se pode transformar num espermatozoide ou num óvulo, onde estão os limites do nosso eu biológico?”, questiona.
A investigação deixou ainda o escritor a questionar conceitos que a ciência tinha como definitivos: “Fiquei surpreendido por saber que a biologia não tinha uma boa definição sobre o que é ser um indivíduo.” “Fiquei a pensar que a individualidade é algo que vamos desenvolvendo e que não está definida no embrião no momento da nossa conceção.”
E os limites, onde ficam?
Apesar de estes mini-cérebros não terem as mesmas capacidades que um cérebro biológico, estão a levantar as questões éticas do costume no mundo científico. “Neste momento, não estamos sequer perto de desenvolver cérebros organoides [nomenclatura cientifica para um órgão cultivado em laboratórios especializados em medicina regenerativa] que sejam capazes de experienciarem ou sentirem qualquer coisa”, garante Ball. “No entanto, ainda não sabemos quais são os limites entre um organoide que tem e o que não tem certas capacidades. Não existe um consenso sobre o que é a consciência, por isso, é necessário pensar quais são as nossas responsabilidades éticas em relação a estas entidades.”
“Certamente não acho que devamos tentar fazer organoides cerebrais maiores ou mais complexos antes de termos uma melhor compreensão deles. Felizmente, como são agora, podem ser ferramentas úteis para fazer pesquisas fundamentais e que podem trazer benefícios médicos.”
Apesar dos dilemas éticos que esta prática levanta, Philip Ball não tem dúvidas dos benefícios que pode trazer: “Os organoides são o mais próximo que estamos de fazer experiências em órgãos de seres vivos sem fazer qualquer tipo de investigação antiética.”
O livro How to Grow a Human: Adventures in Who We Are and How We Are Made escrito por Philip Ball vai ser publicado no dia 20 de maio e já está na posição 51º lugar nos melhores livros de investigação médica da Amazon.