Um vírus que mate o seu hospedeiro tem ainda um longo caminho a percorrer para melhorar a sua estratégia de sobrevivência. O ideal é conseguir infetar muitos, sem os eliminar. Este é um princípio bem conhecido da Biologia. “Uma pessoa infetada com sarampo transmite o vírus, em média, a 20 pessoas. É altamente eficiente no contágio, mas a mortalidade que causa é baixa. Já o vírus do ébola é altamente mortal, mas, por causa disso, transmite-se pouco, porque o hospedeiro acaba por morrer”, exemplifica o investigador do Instituto de Medicina Molecular e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Miguel Castanho.
Os vírus, e outros agentes patogénicos, vão evoluindo connosco, num processo de adaptação mútuo. Quanto mais tempo de convivência, maior o equilíbrio. O caso perfeito é o que se passa no intestino, em que as bactérias que lá vivem não só não causam doença como até ajudam na digestão.
Um estudo agora publicado na revista científica Nature Communications indica que este processo de adaptação pode ser ainda mais seletivo do que se supunha, sendo mais agressivo com o sexo masculino do que com o feminino. E porquê? Porque as mulheres podem transmitir os agentes infecciosos aos filhos, durante a gravidez e a amamentação. São, portanto, hospedeiros mais valiosos. Disso resulta que exista uma pressão seletiva, que favorece os vírus capazes de infetar, multiplicar-se, mas não matar as fêmeas. Já no hospedeiro homem, o vírus acaba por se manter mais agressivo já que não é tão interessante do ponto de vista da sobrevivência do agente patogénico.
“Matar o hospedeiro é um tiro no pé”, comenta à revista NewScientist Vincent Jansen, da Universidade de Londres Royal Holloway, um dos autores do estudo.
“Este é meramente um estudo teórico. É preciso ver se esta previsão bate certo com a realidade, através da experimentação”, sublinha Miguel Castanho.
Para o estudo, os investigadores analisaram dados relativos ao HTLV-1, que pode progredir para leucemia. Isto acontece com muito mais frequência nos homens japoneses do que nas mulheres. Já nas Caraíbas, a agressividade é equivalente em ambos os sexos. Um enigma que pode ser justificado com a tese agora apresentada. É que as mães japonesas amamentam durante muito mais tempo do que as caribenhas, logo a pressão seletiva, a favor de uma benevolência relativa às mulheres, é mais forte no Oriente.
Da lista de agentes infeciosos mais agressivos com o género masculina faz parte o Vírus do Papiloma Humano, conhecido como HPV, numa proporção de cinco para um na probabilidade de degenerar em cancro, a bactéria da tuberculose, que mata 1,5 vezes mais os homens do que as mulheres e ainda o vírus de Epstein-Barr em que os homens infetados estão duas vezes mais sujeitos a desenvolver linfoma de Hodgkin.
“A hipótese levantada neste estudo é a de que os vírus se possam ter adaptado melhor às mulheres e elas aos vírus, atingindo um patamar de entendimento”, resume Miguel Castanho.
No entanto esta explicação não se aplica aos vírus da gripe e das constipações, que tradicionalmente deixa os homens completamente de rastos, sublinha o artigo da NewScientist, já que não é transmissível de mãe para filho, através da placenta ou do leite. “A gripe masculina soa-me a desculpa para não ir trabalhar”, ironiza Vincent Jansen.