“No meu grupo de amigos sou chamado de ‘doentinho’ por estar muitas vezes com essa mania”, diz Guilherme Duarte. Essa mania, a das doenças, entenda-se. É o autor do blogue Por Falar Noutra Coisa, mas fala desta em particular sem preconceitos nem tabus. É hipocondríaco, embora não diagnosticado, e já fez (continua a fazer) todos os exames médicos que são possíveis. “Da última vez que fiz análises ligaram-me do hospital, eu não vi a chamada e fiquei logo a pensar que era para me chamarem à parte e me dizerem quanto tempo tinha de vida”, conta.
A hipocondria, ou “perturbação de ansiedade relacionada com a doença”, como a comunidade médica lhe chama, é uma preocupação irracional em estar ou vir a estar com uma doença grave. Neste caso, as pessoas não fingem qualquer sintoma nem mentem, porque a crença que têm um problema de saúde crítico é real.
“Os hipocondríacos ficam alarmados quando ouvem que alguém ficou doente ou lêem alguma notícia relacionada com a saúde e estas preocupações não abrandam perante os resultados negativos de exames, nem com a tranquilização de um médico”, refere Diogo Telles Correia, médico psiquiatra, psicoterapeuta e professor na Faculdade de Medicina de Lisboa.
Um médico ou dois. Ou três. Estes pacientes, geralmente, vão a vários, para confirmar que não têm mesmo nenhum problema de saúde ou na ânsia de encontrar um que lhes faça o diagnóstico que tanto procuram: uma doença terminal ou um cancro, por exemplo. O normal é que, antes de contactarem um psiquiatra, passem por profissionais de todas as especialidades. E o pior é que nem sempre chegam a consultar um psicoterapeuta.
“É fundamental não repetir os exames desnecessariamente e convencer o paciente a não recorrer a muitos médicos, apenas a um ou dois em quem confie plenamente”, diz o psiquiatra. Mas também há os hipocondríacos evitantes, aqueles que, ao contrário da maioria, evitam a todo o custo hospitais e médicos com medo que os resultados dos exames indiquem alguma doença grave.
A bola de neve
Sintomas normais como o batimento do coração, por exemplo, podem fazer com que a pessoa hipocondríaca detete um sinal de doença. “Por outro lado, a ansiedade associada à hipocondria pode induzir ela própria certos sintomas corporais, como dores de cabeça, tensão muscular, diarreia ou prisão de ventre e tonturas, por exemplo”, menciona Diogo Telles Correia. É uma bola de neve que cresce rápido: os sintomas de ansiedade são amplificados pelos doentes porque eles também os interpretam como sinais de doença grave e tornam-se muito mais dolorosos.
“Quando faço stand up comedy, por exemplo, acabo por ficar mais nervoso antes porque tenho arritmias. Depois, fico com receio de falecer ali em palco e ninguém me acudir a pensar que faz parte da atuação”, brinca Guilherme Duarte.
Os hipocondríacos auto examinam-se frequentemente, estão constantemente a apalpar-se para ver se encontram um nódulo ou um sinal estranho no corpo ou a verem ao espelho se está tudo bem com a garganta. Muitas vezes também se auto-medicam.
Segundo Célia Lopes, psicóloga e psicoterapeuta em Lisboa, a hipocondria começa a manifestar-se, geralmente, no início da idade adulta. “Pode aparecer em momentos críticos da vida da pessoa ou depois de acontecimentos com grande significado, como por exemplo lutos, perdas ou separações de alguém próximo”, refere.
Os especialistas conseguem perceber a diferença entre uma pessoa preocupada normalmente com a saúde e alguém que não controla o medo. “Quando os exames se mostram normais, o doente deve ser descansado e ser tratada a sua doença de base que não é médica mas sim psiquiátrica”. diz Diogo Telles Correia.
De acordo com Célia Lopes, também se pode recorrer ao Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, onde se encontram os vários critérios para o diagnóstico, uma vez que a doença entra na classificação de Perturbações Somatoformes.
“É fácil pensar na hipocondria como uma mania que não deve ser valorizada”
A hipocondria é considerada uma doença psiquiátrica porque se associa a um grande sofrimento psíquico. Talvez seja por isso que é um tema sobre o qual é difícil falar. “Nós que sofremos disso, sabemos, lá no fundo, que é uma mania irracional e talvez por isso haja mais vergonha em falar disso, porque sendo irracional é complicado discuti-la e mostrar o nosso lado a quem não tem esse problema”, conta Guilherme.
Normalmente, esta doença relaciona-se com traços da personalidade das pessoas, o que significa que pode acompanhá-las ao longo de toda a vida. Mas o sofrimento que se associa a esta perturbação pode ser minorado. “O tratamento passa, na maioria dos casos, por psicoterapia do tipo cognitivo-comportamental, onde são identificados e postos em causa os pensamentos disfuncionais, numa tentativa de os substituir gradualmente por pensamentos mais saudáveis”, menciona Diogo Telles Correia.
Também é necessário recorrer, por vezes, a medicação psiquiátrica por um período de tempo que, segundo o psiquiatra, é muito bem tolerada pelos pacientes e não tem efeitos secundários relevantes. O mais importante é não se ter vergonha de falar sobre o assunto.
“O preconceito está nas outras pessoas mas também nos próprios pacientes, que preferem rodar todos os especialistas à procura de doenças físicas do que aceitar que o problema é mental e ir ao psiquiatra” diz o psicoterapeuta .
Para Guilherme Duarte, a hipocondria já não é uma luta constante para ele nem condiciona muito a sua vida. “É fácil pensar na hipocondria como uma mania que não deve ser valorizada. Com o tempo aprendi a relativizar e pensar que das vezes todas que pensei que era uma doença grave e que ia morrer, acabei por sobreviver e que, por isso, pela lei das probabilidades, desta vez é capaz de ser só mesmo uma cólica e não uma apendicite aguda que me vai matar”, diz.
Os hipocondríacos no mundo
Segundo Diogo Telles Correia, a prevalência da hipocondria situa-se, em estudos internacionais, entre os 4 e os 15%, quando se fala em doentes que recorrem a cuidados médicos em geral. Os homens são afetados na mesma porporção das mulheres e a doença atinge qualquer nível sociocultural, da mesma forma. Já em Portugal, embora os números devam ser semelhantes, não se conhecem as prevalências da doença.