Ao olhar para a pista de atletismo do Estádio 1.º de Maio, em Lisboa, não é fácil identificar Rafael Neto, 12 anos, tal é a velocidade com que percorre os 400 metros do percurso.
Rafa, como é conhecido entre os amigos, chegou à Escola de Atletismo Adaptado fundada pelo atleta Jorge Pina (ver texto nas páginas seguintes) há cerca de um mês e, assim que se instalou na cadeira de rodas de competição, parecia que tinha nascido para o atletismo.
Rafa já estava habituado a ganhar corta-matos na escola, mas nunca tinha experimentado uma cadeira de rodas de competição. “Logo no segundo treino cheguei aos 30km/h!”, conta entusiasmado. Rafa tem espinha bífida (uma deformação na coluna) e, por isso, usa cadeira de rodas desde que nasceu, um desafio que nunca impediu a sua paixão pelo desporto também joga futebol e básquete na escola.
“Praticar desporto muda a nossa personalidade. Ficamos com mais autoconfiança porque descobrimos que somos capazes de fazer coisas que antes não imaginávamos”, revela.
Jorge Silva, 12 anos, iniciou-se no atletismo há quatro meses, e também já sente diferenças: “Estou mais concentrado nas aulas porque só se tivermos boas notas é que podemos ir às competições”, explica, entusiasmado.
Depois da primeira prova, ficaram-lhe a doer as pernas, mas à segunda já não sentiu nada. Apesar do nervosismo antes do tiro de partida, Jorge diz que sentir o público puxar por ele lhe dá força. Corridas de velocidade e de resistência são a sua especialidade, e nem a baixa visão (20% em cada olho) o impede de saltar barreiras em grande estilo.
Mas não é só o atletismo que atrai os alunos da escola. As amizades também contribuem para a motivação basta ver como torcem uns pelos outros quando assistem ao treino de velocidade dos colegas.
Jonas Ferreira, 12 anos, explica que Jorge Pina não só o ajuda em alguns exercícios mas também o põe bem-disposto sempre que chega ao treino de mau humor. “Conversamos muito e contamos muitas piadas”, revela Jonas, que já sente melhorias na coordenação do seu corpo. “Tenho jeito para correr!”, exclama, satisfeito. Até já competiu numa prova com a ajuda do guia de Jorge Pina, que acompanha o atleta profissional nas competições ajudando-o a orientar-se em pista, para compensar a falta de visão. No caso de Jonas, apenas o ajudou a gerir o esforço durante uma prova de 2 quilómetros! Já que não tem qualquer problema de visão, tem microcefalia primária, o que dificulta a sua aprendizagem mas, na velocidade, a lição está aprendida e, agora, quando faz um sprint. “Perco os outros de vista”, conta, divertido.
A boa disposição de Jorge e Jonas contagiam Leonor Roque, 9 anos, que se diverte com as brincadeiras dos novos amigos nos treinos. Tal como outros alunos da escola, Leonor não enfrenta nenhum desafio físico ou intelectual. A escola é aberta a toda a gente.
Leonor não esconde que ficou impressionada quando viu a velocidade com que os atletas de cadeiras de rodas dão voltas à pista. Alguns colegas sem problemas de visão costumam fazer de guia dos atletas que têm limitações visuais.
Jorge Pina confessa que a entreajuda entre os alunos tem o valor de uma medalha. “Estes atletas são super-heróis porque tentam ultrapassar as dificuldades sem baixarem os braços!”, afirma o fundador da escola, antes de deixar uma recomendação: “Não devemos olhar para os outros em busca das suas deficiências, mas do que cada um tem de mais eficiente.”
Quem é Jorge Pina?
A história do mentor da Escola de Atletismo Adaptado, Jorge Pina, 40 anos, é uma inspiração para muitos. Há dez anos, quando era uma promessa do boxe nacional, ficou cego do olho esquerdo e perdeu 90% da visão no direito.
A carreira no boxe estava desfeita, mas desistir do desporto não era opção. Afinal, desde os 11 anos que era atleta. “Arrumei as luvas e calcei os ténis”, conta.
“Praticamente saí do hospital e comecei no atletismo adaptado.” Há cinco anos criou a Associação Jorge Pina para ajudar jovens a descobrirem os benefícios do desporto. A associação também tem uma escola de boxe para jovens de bairros desfavorecidos e, claro, ele é um dos professores. Mas a sua carreira no atletismo continua: participou nos Jogos Paralímpicos de 2008 e de 2012 (o equivalente aos Jogos Olímpicos, mas para atletas com limitações físicas ou cognitivas) e prepara-se para competir nos Paralímpicos deste ano, no Rio de Janeiro.