Cansado de, talvez injustamente, ser acusado de se fazer de morto, António José Seguro resolveu, esta semana, montar uma espécie de récita em que ele, líder do PS, fizesse de ator principal, contracenando com alguns figurantes previamente escolhidos – os outros líderes partidários. Ao grito de “eu existo!”, puxou dos galões de “chefe da oposição” e iniciou uma ronda de conversações com todos os partidos políticos representados na Assembleia da República. A récita foi um remake da célebre ronda de consultas de José Sócrates, após a sua vitória eleitoral de 2009, quando o então líder e renomeado primeiro-ministro oferecia, embora não inteiramente grátis, uma magnífica coligação a quem a quisesse aproveitar. Não muito longe no conteúdo, mas distante nos objetivos (já que Sócrates, o que procurava, era um pretexto para governar sozinho e Seguro, como veremos no final desta crónica, se calhar, não…), o líder do PS foi já avisando que o exclusivo das eventuais coligações não pertence à esquerda: também está disposto para fazer alianças à direita. Isto, numa semana em que enviou um ilustre desconhecido para servir de orador na magna reunião da esquerda, patrocinada pelo patriarca Mário Soares. Porque o PS, quando é preciso, também arranja figurantes.
Claro que fará alianças à direita! À esquerda é que não estamos a ver… Escusam os sacerdotes da frente popular ter esperanças na unidade ou esbracejar contra a heresia. Aliás, um dos figurantes convocados, esta semana, por Seguro, para a rábula dos encontros interpartidários, Jerónimo de Sousa, tratou de desrespeitar o guião e as orientações do ponto socialista, e desatou a desafinar, falando de divergências e mais divergências entre os dois partidos. As declarações conciliatórias de Seguro provocaram, claro, sorrisos. O PS sabe muito bem que o PCP jamais entrará num processo de mudança que não lidere – ou em que alguns dos seus princípios não forem liderantes. E também sabe que, mesmo assim, os comunistas são mais fiáveis, no compromisso, do que o Bloco de Esquerda, que acalenta, ainda, a esperança de ocupar boa parte do espaço do PS. Sendo que, para isso, tem de encostar o PS, o mais possível, à direita.
Assim, a reunião da esquerda, ocorrida na passada semana, na Aula Magna, embora sincera nos seus propósitos – e, que podia ser histórica, se viesse a revelar a existência de uma tendência de entendimento – foi vista pelos dois partidos com muitas reservas. Evidentemente, a ausência deixava-os mal na fotografia. Mas, verdadeiramente interessado – para continuar a ser visto com um entre iguais -, só o Bloco de Esquerda se fez representar ao mais alto nível. Esta reunião choca, aliás, contra o projeto de uma Convenção Nacional, anunciado no congresso socialista, que o PS quer promover e, sobretudo, liderar.
A tragédia de uma esquerda portuguesa que não se governa nem se deixa governar, e cujos derradeiros lampejos de energia provêm de um ancião prestes a completar 89 anos, está na origem da rábula de Seguro. Que, se não foi um exercício de pura e dura hipocrisia política, terá servido, apenas, para um único objetivo: diluir – e, portanto, disfarçar – o único encontro que ele queria realmente promover, sem chamar as atenções: o que teve com Paulo Portas. O resto é conversa.