“A longo prazo, estaremos todos mortos”, disse o célebre professor de Economia John Maynard Keynes. E justificava: “Os economistas fixam para si próprios uma tarefa demasiado fácil, e sobremaneira pouco útil, se, nas estações de tempestade, só nos podem dizer que, quando a tempestade tiver passado, o oceano ficará novamente calmo.” Palavras para Vítor Gaspar e Passos Coelho, que nos prometem um futuro radioso para depois da tempestade. O cumprimento do programa de ajustamento, bem como o sacrossanto regresso aos mercados (mesmo que a juros dois pontos acima dos da troika…), é o amanhã que canta deste Governo. Cavaco Silva, esquecido do estilo keynesiano que cultivou no Governo, convocou o Conselho de Estado para discutir o futuro… depois da troika. O tal day after em que estaremos todos mortos ou moribundos, depois de uma reforma do Estado que se centra apenas no Estado Social e que se traduz em cortes de milhares de milhões de euros nessa área. Mas como é possível projetar o País no pós-troika sem discutir as políticas que estão, agora mesmo, a ser tomadas? É que delas depende esse futuro. E uma das suas premissas é saber se este Governo pode ou não pode manter-se até lá. O Portugal pós-troika será necessariamente diferente (embora não necessariamente melhor) se o Executivo cair.
É por isso que aquilo que não sabemos sobre a discussão naquela reunião só pode ter-se centrado na atualidade e não no futuro. Alguns conselheiros pediram a dissolução da AR e a convocação de eleições. Cá fora, um movimento cívico exigia o mesmo. Mas que argumentos tem Cavaco Silva para dissolver o Parlamento?
À primeira vista, nenhum. O Governo foi eleito. Tem um mandato de quatro anos e ainda só passaram dois. E dispõe de uma maioria parlamentar que o apoia. Para Cavaco, que governou oito dos seus dez anos em maioria, isto é quanto baste para o “regular funcionamento das instituições”.
Esperem aí! Esta expressão, que se encontra consignada na Constituição como condição para a manutenção de um Governo, é o único ponto em que o Presidente pode pegar! Se Cavaco, pela turbulência interna no Executivo, chegar à conclusão de que esse “regular funcionamento” está em causa, tem um argumento constitucional para o demitir…
E Cavaco já terá tido, por três vezes, possibilidade de usar esse argumento. Quando da crise da TSU, após a decisão do Tribunal Constitucional sobre o Orçamento, e no caso da recente “TSU dos reformados”, Passos e/ou Portas terão estado à beira da demissão. E terá sido o PR, nos bastidores, a segurá-los.
Porquê?
Será que o PR quer assegurar que Passos Coelho termine o seu mandato com dignidade? Terá José Sócrates razão ao afirmar que “este é que é um Governo de iniciativa presidencial?” Cavaco Silva, um institucionalista – e um democrata de formação periclitante… – avesso a instabilidade e a eleições extemporâneas, concluiu que o “regular funcionamento das instituições” estará ainda mais em causa, se o Governo cair. Porque não vislumbra uma alternativa: o PS não assegura maioria – e qualquer coligação que faça será mais frágil do que a atual. Essa é a chave do discurso presidencial do 25 de Abril: Cavaco não arrisca, observa. Não rompe, conserta. Não preside, garante. Recusa mexer no futuro. O tal em que estaremos todos mortos.