*Lá vai a apitar/ apita o comboio/ à beira do mar/ à beira do mar/ mesmo à beirinha/ apita o comboio/ no centro da linha
Se tivesse sido um jogo de râguebi, cada uma das equipas teria marcado um ensaio. O resto foram pontapés livres, a apontar para entre os paus. A maior parte saiu ao lado. Se fosse um jogo de futebol, cada uma das equipas teria estado em ascendente em diferentes “períodos de jogo”. Se fosse um combate de boxe, ambos teriam ido às cordas umas quatro vezes, mas a decisão, polémica, seria aos pontos, porque no boxe não há empates. É verdade que, na minha opinião, houve um que esteve melhor do que o outro. Mas isso é irrelevante. O que interessa saber é o seguinte: alguém terá mudado o seu voto depois de ver este debate “decisivo”? Não. Então, empataram.
Saudades de Sócrates
À 2.ª intervenção, Passos Coelho pronunciou o nome que não deve ser pronunciado: José Sócrates. No seu exílio da Rua Abade Faria, o antigo primeiro-ministro aplaudia: tal como está na campanha, iria estar no debate. E esteve. Mas quem mais o atacou foi Costa, quando acusou Passos de estar com saudades de Sócrates. E insistiu várias vezes, com ar irónico. porque será? Há quatro anos, Passos ganhou o debate a Sócrates. Mas agora estava ali ele. Terá passado despercebida, a indireta, mas Sócrates percebeu.por essa altura, o comboio apitava, a poucos metros do Museu da Eletricidade. Para ajudar à festa, repare-se na resposta sibilina de Passos: “Deixo a programação das visitas ao engenheiro Sócrates ao cuidado do dr. António Costa…” Mas quais visitas?
Os ensaios
O primeiro ensaio marcou-o Passos Coelho. E o extraordinário é que não fez nada para isso – limitou-se a aproveitar um erro do adversário. Não foi o PSD que chamou a troika a Portugal. Foi um Governo PS. É um facto que não pode ser distorcido. António Costa tentou fazê-lo e, ainda por cima, insistiu, mesmo depois de ter ido ao tapete com a resposta de Passos Coelho. E até podia ter explicado melhor: é verdade que PSD e CDS, à época, desejaram, pediram e exigiram a vinda da troika. Que ambos tinham uma agenda que só sob o guarda-chuva de um memorando de entendimento podiam aplicar em Portugal. E que foi por isso mesmo, para forçar a vinda dos credores, que chumbaram o PEC IV. Mas nada disto foi dito por António costa. Aliás, se o dissesse, dava gás à famosa “narrativa” de Sócrates. por isso, limitou-se a citar frases fora do contexto, de que já ninguém se lembra, do seu adversário. Se era só isto que tinha, o melhor era estar calado.
O outro ensaio marcou-o Costa. A vigarice do programa VEM, com que, supostamente, o Governo pretendia atrair os jovens qualificados portugueses entretanto emigrados, foi desmontada com mestria, e requintes de malvadez, por António Costa. Mesmo assim, o líder do PS não esclareceu como fará regressar esses emigrantes. Não esclareceu porque não pode. O que ele não disse – nem o seu adversário – foi o que é de bom senso. Que essa gente tem de ser dada, genericamente, por perdida. O que nós queremos saber é o que fará o próximo governo para impedir que a tendência se mantenha, nos próximos quatro anos. O que farão para segurar os futuros qualificados. Porque emigrar, andamos nós a emigrar desde o século XVI. E, se agora, o país tem mais gente qualificada, é natural que esse efeito também se sinta na emigração… É uma questão estatística!
Os pontapés livres
António Costa marcou pontos ao puxar os galões da sua experiência de autarca, ao arengar contra a imprudência dos políticos quando fazem promessas e ao garantir que não mente – invocando, para isso, o seu passado de gestor da coisa pública. E Passos Coelho marcou pontos recordando que a austeridade que agora tanto o PS execra tiveram os socialistas de a iniciar, tão contra vontade como ele próprio. Nomeadamente, no corte dos salários que ainda estão em vigor e no congelamento de pensões.
As posturas
Apesar dos anos de experiência televisiva de António Costa, gostei mais da imagem, da postura, da serenidade, da bonomia e da calma de Passos Coelho. Resta saber se a maior sanguinidade, a maior autenticidade e a maior agressividade de António Costa não terá marcado mais pontos, junto de um eleitorado escaldado por demasiados anos de falinhas mansas dos políticos. Mas há erros que não se cometem: como é que ninguém disse a Costa que não deve olhar para a câmara? Porque é que ninguém lhe explicou que não deve levar gráficos, sempre chatos, pouco compreensíveis e áridos para estúdio? Confiarão mais os portugueses num político carregado de cábulas ou num que tem tudo na ponta da língua? E porque é que perdeu tempo precioso, depois do intervalo, repetindo argumentos que já tinha esgrimido antes? Não se percebe. Teve graça ao menos, quando, ao introduzir a única nota de humor, desejou não estar ali, daqui a quatro anos, a ser acusado, pelo sucessor de Passos, daquilo que ele agora acusa o próprio Passos…
No centro da linha
As perguntas finais permitem todos os cenários. O debate foi como as sondagens: equilibrado, taco a taco, inconclusivo. Ninguém conseguirá maioria absoluta, pelo que, prometer estabilidade (coligação PàF) ou pedir confiança (PS) é um exercício de estultícia. O próximo governo, minoritário, tem os dias contados. a não ser que, como defende o Presidente da República, o Bloco Central ressuscite, reeditando uma dupla partidária que marcou outros anos de crise (1983/85). Afinal, o comboio apita… no centro da linha.