A ideia de recompensar pessoas que trabalham desde a adolescência – nalguns casos, desde a pré-adolescência – conferindo-lhes o direito à reforma antecipada, por inteiro, aos 60 anos, é uma questão de elementar justiça. O esforço em termos de segurança social, mesmo que em contraciclo com a sua própria sustentabilidade, justifica-se plenamente, como um meio encontrado pela sociedade para que possa reparar, de alguma forma, o flagelo do trabalho infantil que fez com que, citando o escritor neorrealista, estes homens e mulheres “nunca tenham sido meninos”. Afinal, eles nunca tiveram a oportunidade de participar numa viagem de finalistas…
O que o Governo ainda não fez, preto no branco, foi quantificar o custo de uma tal medida. Talvez porque não faça a mínima ideia de quanto custa. Ora, isso é relevante, tendo em conta que, nos «anos de sombra» do período de trabalho infantil, é muito pouco provável que alguma vez estas pessoas tenham descontado. Não é isso que está em causa, nem esse facto devia impedir nada. Mas a medida parece-me um pouco demagógica, destinada a fazer uma flor com pouca correspondência prática. Vejamos porquê.
Estamos a falar, sobretudo, embora não só, de uma faixa etária que terá começado a trabalhar por volta de 1970 (no caso dos hipotéticos beneficiários imediatos). Num tempo sem contratos escritos – que aliás, também é pouco provável que, tratando-se destas tenras idades, tenham existido, de qualquer forma, em épocas posteriores. Nem contratos, nem descontos. Ora, o que o primeiro-ministro anunciou foi um regime especial, sem penalização, para quem tenha ”uma longa carreira conbtributiva”. O que deve deixar de fora… a maior parte!
A verdade é que a idade legal para se poder ter um contrato de trabalho foi aumentando, ao longo do tempo. Ora, a medida não parece abranger quem, sem culpa própria, trabalhou sem descontar – porque foi vítima de trabalho clandestino fomentado por patrões exploradores. A impressão que dá é que os casos comprovados serão em número muito inferior à real dimensão deste potencial “público alvo”. O que facilitará a vida ao Governo. Anuncia uma medida simpática mas sem muito impacto social. Fica bem na fotografia.
O diploma legal que permitirá que estas pessoas recebam a sua reforma aos 60 anos deverá ser muito claro, e muito específico, sobre os critérios a seguir para que a ela tenham direito. Deverá, sobretudo, procurar garantir que, por falta de cumprimento de exigências burocráticas, uns não sejam prejudicados relativamente a outros. Já do ponto de vista moral, os portugueses, e o Governo, deviam interiorizar que este tratamento especial não se deve tanto aos descontos efetuados ao longo de uma carreira, mas como reparação de uma injustiça de vida sofrida pelas vítimas do trabalho juvenil.