Quando o ministro das Finanças anunciou que o povo português era o melhor do mundo, vários cidadãos caíram nos braços uns dos outros a chorar. Não é frequente Portugal ganhar galardões mundiais importantes, e por isso é natural que as pessoas se emocionem com uma distinção desta envergadura. Embora o regulamento do prémio permaneça desconhecido, toda a gente imagina a tramitação do processo que culminou com a eleição de Portugal: um júri, formado pelos mais prestigiados apreciadores de povos do mundo, avaliou a totalidade dos povos do planeta, desde os chineses aos bosquímanos do Sudoeste africano, e deliberou que o melhor povo do mundo era o português. A organização do concurso entregou um envelope com a decisão a Vítor Gaspar, a quem coube a honra de anunciar, em directo, o grande vencedor. Suecos, americanos, alemães, franceses e todos os outros povos do mundo ficaram a saber que têm de se esforçar um pouco mais. O melhor aglomerado de pessoas, a nível mundial, é aquele que tem nacionalidade portuguesa. Embrulhem.
Na verdade, o ministro disse mais: o povo português é o melhor povo do mundo e o maior activo de Portugal. Portanto, do ponto de vista económico, fazem todo o sentido os incentivos do Governo à emigração: qualquer país procura exportar o seu maior activo. Quando se diz que Portugal não é forte na produção de bens transaccionáveis, tal não é verdade. Produzimos povo muito bom (o melhor do mundo, aliás) e exportamo-lo cada vez mais. Não admira. Quem quer povo, em princípio, não se contenta com menos do que o melhor, e isso explica o apetite dos mercados internacionais pela nossa produção de gente.
No entanto, sem colocar em causa a nossa vitória no certame Miss Povo, gostaria de apelar a uma recontagem dos votos. Não duvido de que possamos ter ganho, não me interpretem mal. Mas acredito que é mais provável termos ganho numa daquelas categorias menores. Mais do que sermos um povo bom, somos um povo simpático, que se manifesta ordeiramente. Aguardamos o final do discurso do sr. Presidente da República para começar a gritar desesperadamente. E rematamos o protesto com canto lírico afinadíssimo, aplaudido por todos os presentes, antes de retomarem a sua vida. E ficam muito bem nas fotos, os nossos abraços aos agentes da polícia de intervenção. Talvez não tenhamos ganho o troféu Miss Povo. Mas as faixas de Miss Simpatia e Miss Fotogenia, ninguém nos tira.