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José Sócrates foi estudar para o país de Monsieur Jourdain e descobriu, não que fala em prosa, mas que Portugal está imerso numa narrativa. São ambas descobertas do âmbito filosófico-literário e feitas no mesmo território, o que coloca a França na vanguarda destes estudos. Talvez seja conveniente definir o conceito de narrativa, neste contexto. Trata-se, pouco mais ou menos, de um modo sistemático de explicação da realidade que se impõe e passa a vigorar como incontestável. Ou seja, uma peta. Na melhor das hipóteses, uma semi-peta. O que Sócrates quis fazer foi substituir a narrativa pela verdade. No entanto, no dia seguinte, foram vários os jornais que se dedicaram a verificar os factos referidos pelo ex-primeiro-ministro, e todos concluíram que ele tinha dito algumas coisas verdadeiras, algumas coisas falsas, e algumas coisas assim-assim. Isto é, Sócrates tinha tentado contrapor uma narrativa à outra narrativa. O povo português tem agora à escolha duas narrativas, e pode optar pela que mais lhe agrada, o que significa que os eleitores estão transformados no júri do Grande Prémio APE de Romance e Novela. Do ponto de vista democrático talvez seja redutor, mas em termos literários é muito prestigiante.
Pessoalmente, rejeito a noção de narrativa aplicada a Portugal. Grosso modo, e com licença de Derrida, há três grandes géneros literários: o lírico, o narrativo e o dramático. Ora, olhando para o País, parece-me lírico todo aquele que inclui Portugal no género narrativo e não no dramático. O PS e o Governo podem andar ocupados a esgrimir narrativas, mas os portugueses parecem mais interessados em que se discuta o drama.
Já agora, e uma vez que falamos de géneros, permitam-me que registe com muita alegria que a comédia se mantém higienicamente à margem do discurso político, o que contraria uma ideia aparentemente generalizada. A propósito da exposição sobre o riso, na Fundação EDP, José Manuel dos Santos, um dos seus comissários, disse à RTP 2: “Hoje, um político já sabe que, se disser uma piada, muitas vezes isso é uma condição de sucesso maior para passar nas televisões e fazer títulos nos jornais do que se ele disser uma verdade em que ninguém tinha pensado.” Eu bem gostaria de aderir a esta conclusão, mas, por mais que procure, não consigo ter acesso à amostra que lhe serve de premissa. Infelizmente, não tenho tido contacto com um número suficiente de políticos que digam piadas, e também não tenho registo satisfatório de políticos que digam verdades em que ninguém tinha pensado. A esmagadora maioria dos políticos que conheço não diz umas nem outras (avanço com José Sócrates, que tem passado bastante nas televisões e nos jornais, como prova número 1), e por isso não sou capaz de concluir que os que dizem as primeiras têm mais hipóteses de aparecer nos media do que aqueles que dizem as segundas. E há um problema adicional: para mim, uma piada e uma verdade em que ninguém tinha pensado não são necessariamente coisas diferentes. Como prova número 2, apresento esta frase célebre de Manuel da Fonseca: “Isto de estar vivo ainda um dia acaba mal.” Trata-se de uma excelente piada. E também de uma fulgurante verdade. Sabemos que é uma verdade em que ninguém tinha pensado porque surpreende a ponto de nos fazer rir.