Os tempos de antena do PS inauguram uma nova era na ciência política, na medida em que, segundo parece, se destinam a cativar eleitores que ainda não podem votar. Os filmes são tão ostensivamente propagandísticos que só menores de 12 acreditam que aquilo possa ser genuíno. Cidadãos maiores de 12 terão mais dificuldade em deixar-se persuadir. São três interessantes curtas-metragens que começam com a legenda: “Baseado na vida real”.
A primeira conta a história de uma jovem que vai defender a tese de mestrado. A segunda mostra o pai dessa jovem a caminho de uma entrevista de emprego. E na terceira vemos a mãe da mesma jovem a preparar o jantar para a família, que inclui ainda um filho regressado do estrangeiro, para onde teve de emigrar. Em todos os filmes ouvimos o monólogo interior dos protagonistas, que têm uma obsessão pouco natural com o governo. A rapariga pensa com os seus botões que se sente muito confiante para defender a tese porque o governo esteve realmente muito bem a devolver rendimentos às famílias nos últimos três anos. O pai vai optimista para a entrevista de emprego porque o governo conseguiu obter o mais baixo défice da história da democracia. E a mãe faz o jantar com outro ânimo quando recorda a si mesma que o governo obteve a menor taxa de desemprego desde 2002. No fim das histórias, o cabeça de lista do PS às Europeias, Pedro Marques, discute com a mandatária nacional e outra pessoa da equipa da campanha o filme que acabou de ver.
E diz que o sucesso do governo o faz acreditar que a jovem da tese tem mesmo esperança. Recordo que a jovem é fictícia. A mandatária nacional diz que é muito bom ver um exemplo destes. Recordo que o exemplo é fictício. E Pedro Marques conclui dizendo que hoje consegue dizer a esta jovem que o esforço dela valeu a pena.
Não sei se já disse, mas a jovem é fictícia. Acredito que Pedro Marques fale com ela, porque conheço mais pessoas que falam com gente que não existe. Mas tenho sérias dúvidas de que a jovem, não existindo, o oiça.
Não é raro um filme de propaganda exagerar ou omitir certos aspectos. Mas creio que é a primeira vez que uma campanha eleitoral representa os cidadãos de forma tão inverosímil. Ofereço recompensa a quem me apresentar uma pessoa que, na sua vida normal, pense no governo sem ser para dizer mal. Se existe alguém que, a caminho de defender a tese, à entrada para uma entrevista de emprego ou enquanto faz o jantar passa largos minutos a elogiar o governo, seja que governo for, eu quero conhecer essa pessoa. E interná-la numa instituição de saúde.
(Opinião publicada na VISÃO 1368 de 23 de maio)