O meu nome é Victor Frankenstrump e estudei ciências na universidade de Ingolstadt. Ao longo da minha frequência universitária pude aperceber- -me de que Ingolstadt é uma cidade com bastantes consoantes. Não há muito mais aspectos notáveis nesta aborrecida localidade, pelo que os meus amigos e eu resolvemos dedicar-nos com algum afinco ao alcoolismo. Numa noite de tempestade, um dos meus colegas apostou que eu não era capaz de criar um monstro feito de partes de cadáveres humanos e cérebro de gorila. Aceitei a aposta e fomos imediatamente para o cemitério pilhar sepulturas. Tínhamos alguma experiência no assunto porque essa tinha sido, precisamente, a actividade em que tinham consistido as praxes da universidade no ano anterior. Levámos os cadáveres para o laboratório da universidade e compusemos um corpo bastante grotesco, mas ainda assim razoavelmente parecido com o de um ser humano. A cabeça era especialmente estranha, porque pertencia a um homem que tinha morrido com um ataque de icterícia, e o rosto tinha agora um tom alaranjado, excepto ao redor dos olhos, onde era cor-de-rosa. Foi impossível obter o cérebro de um gorila, mas entretanto ocorreu-me que meu tio, Amílcar Frankenstrump, falecido na semana anterior, tinha a mundividência de um primata. O cérebro de meu tio era demasiado pequeno para a caixa craniana do monstro, de modo que preenchemos o resto do espaço com palha, para que não chocalhasse. Depois de cosidas as partes do corpo, levámos o monstro para um descampado e atámo-lo a um pára-raios, esperando que a descarga eléctrica de um relâmpago lhe desse vida. O relâmpago atingiu-o em cheio na cabeça, o que fez com que parte da palha que se encontrava no interior do crânio saísse. Quando se levantou, o monstro estava zangado mas decidido. Disse que “o lugar das gajas era na cozinha”, que “isto precisava era de um Salazar em cada esquina”, que “estrangeiros é na terra deles”, e que tinha uma vontade incontrolável de governar os Estados Unidos da América. Rimos bastante, porque era óbvio que, apesar de parcialmente composto de palha, mesmo assim faltavam-lhe habilitações para ocupar sequer o cargo de espantalho num campo de milho. Talvez pudesse fazer carreira como atracção de feira, mas nunca conseguiria estar perto de ser eleito para a Casa Branca. Fomos descansados beber mais uma garrafa de absinto, finda a qual sentimos alguma vontade de votar nele. Mas temos a certeza que passa após uma boa noite de sono.
Frankenstrump, uma história menos conhecida de Mary Shelley
João Fazenda
Era óbvio que, apesar de parcialmente composto de palha, mesmo assim faltavam-lhe habilitações para ocupar sequer o cargo de espantalho num campo de milho
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