Parece simples mas… Se fosse fácil eu… Quem me dera que… Entregar-se a pessimismos, dúvidas, estados de neura, fúria diante de terceiros é próprio de mentes perturbadas. Ou fracas. E “dessas há que fugir ou atacá-las o quanto antes”. Onde é que eu já ouvi isto? Atitudes deste tipo costumam caminhar a par e passo com uma certa ideia de felicidade, sem lugar para queixas nem assuntos pesados e seguindo a crença de que a vida é para levar-se a bem. É importante estar sempre bem. Não estando, é tratar disso com profissionais de saúde, ou junto de conselheiros espirituais. Ou com a ajuda dos tutoriais grátis e fóruns da internet. Tudo menos menos importunar as pessoas com tristezas, desconfortos e fragilidades.
Reações comuns à expressão de dificuldades, de emoções e de sentimentos negativos
Insensível:
Ignorar e passar à frente, ou então interromper com outra coisa qualquer e “fugir”
Passiva:
Ficar calado e a pensar coisas que nunca serão ditas (“que tal se fizesses alguma coisa em relação a isso?” ou “lá vem esta conversa, poupem-me”).
Dissimulada:
Fazer um reparo em tom condescendente do tipo “Pois…” “Um dia consegues, vais ver.”
Agressiva:
Derrubar a “ameaça” com algo como “para dramas já bastam os meus” ou mesmo “gosto disso, mas só na ficção”
Dizem que a melhor defesa é o ataque. “Quero é que não me chateiem”. E o seu oposto também. “Não estou para me chatear”. Com as resistências e problemas que se repetem nos guiões improvisados das vidas mundanas.
Venham as atitudes inspiradoras, os rostos a transbordar felicidade. Deixou de ser estranho ter o telefone à mão com notificações ativas, para assim não ter de disponibilizar mais de um minuto seguido de atenção.
Estranha-se, sim, que se responda à pergunta “Como estás, ?, tudo bem?” à letra e com detalhes pessoais, em vez do socialmente correto “tudo, e tu?”
Possíveis razões para tais comportamentos (mesmo sabendo que cada caso é um caso)
Medo:
De não sermos levados a sério se abrirmos a boca e nos deixarem cair, ou então de sermos alvo de contágio por quem não está bem, ficando em igual estado ou pior
Repulsa:
De sentir na pele a nossa dor ou, pior, a do outro, que nos lembra a nossa e, em alguns casos, até a torna mais pequena, levando-nos a sair da zona de conforto
Raiva:
De ter de levar com quem não se inibe de partir a loiça ou de dar parte de fraco e isso ser deselegante; ou de não conseguir fazer o mesmo, até porque ninguém liga ou leva a sério
Vergonha:
De sentir-se incapaz de acolher com disponibilidade, ou de não saber o que fazer e por estar-se nas tintas para o que os outros sentem, achando no fundo que é cada um por si
Queremos desembaraçar-nos de emoções e sentimentos negativos: os nossos e os dos outros. Mas há um problema: fugir dos outros não impede que se mantenham presentes na mente, no coração e até num plano visceral; fugir do que sentimos como menos bom em nós também não resulta a médio prazo e, pior ainda, não há distrações que silenciem o desconforto emocional e existencial, que se esconde ou se expõe, mas sem os resultados esperados.
A “magia” da aceitação
O que fazer quando se percebe que não é possível fugir da própria sombra? Rejeitá-la? Tentar esquecê-la? Ou fazer de conta que não temos uma? A nossa sombra é feita de uma boa dose de coisas “feias”: dores, birras, mágoas, estados depressivos, inveja e outros “pecados”. Projetá-la nos outros também não é a melhor estratégia, ainda que seja “normal”. “Ele irrita-me.” “Não sou eu, és tu.” “Ela é a culpada de eu ficar neste estado de nervos”. Talvez seja preferível olhar a coisa de outro ângulo: acolher os “inimigos” em “casa” e simplificar…
Isto já dizia Rumi, o poeta sufi do século XIII. E o psicanalista Carl Jung, muito depois dele. Não vale a pena meter a cabeça na areia ou passar o tempo a fazer sprints, por vezes mundo fora, para evitar entrar em contacto com emoções perturbadoras. Uma investigação com mais de mil pessoas levada a cabo na universidade de Berkeley, na Califórnia, e publicada este ano no Journal of Personality and Social Psychology, demonstrou que aceitar emoções sombrias como a ansiedade ou a raiva não agrava a condição em que se está nem traz felicidade mas… liberta! As filosofias budistas defendem isto há séculos e as chamadas psicoterapias de terceira geração, que incluem a aprendizagem da atenção plena – estar no presente, numa atitude observadora e sem julgamento – também.
Em síntese:
Abraçar o “lado sombra” sem ficar “agarrado” a ele é uma arte e o caminho para alcançar a serenidade e estar bem na nossa pele e na relação com outros. Se isso não é felicidade…