Se tem menos de 30 anos é provável que nunca tenha ouvido aquele provérbio que muito irritava – e ainda irrita – mulheres recém-chegadas aos entas: “Homem velho mulher nova, filhos até à cova.” ´Compreende-se porquê. Não é para todas admitir que a fertilidade tem prazo de validade curto mas não no masculino. Ou que um homem pode chegar à chamada meia idade e, com crise ou sem crise, investir numa nova família, quantas vezes perante a estupefação da ex, sujeita aos comentários que dão voz ao que ela pensa e não diz: “Ele trocou-a por uma mais nova e voltou a ser pai!”
Pais (não) há muitos
Questões como estas seriam irrelevantes se nós, portugueses, não tivéssemos uma pirâmide etária pelas ruas da amargura, ou seja, com mais idosos do que jovens. Um problema sério para a sustentabilidade da Nação, que se apoia na Segurança Social e numa lógica que parece não existir a não ser em teoria. Basta consultar as estatísticas para perceber que, no espaço de seis anos, entre 2010 e 2016, o número de partos diminuiu cerca de 20%. Nas palavras do ginecologista-obstetra Carlos Calhaz Jorge, que dirige o centro de procriação medicamente assistida do Centro Hospitalar de Lisboa Norte (CHLN), estes números podem ser lidos como “uma catástrofe social”.
Relógios e números
Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística, o grupo etário entre os 30 e os 34 anos é aquele em que mais homens são pais, que é ligeiramente superior ao grupo dos que optam por ter descendência entre os 35 e os 39 anos, tal como sucede no feminino, com mais evidência a partir do ano de 2011 em diante. Antes dos ‘entas’, portanto. As exceções à regra também contam. Em 2016, por exemplo, houve 404 nascimentos em que os pais tinham 55 e mais anos, o que sugere que as leis biológicas favorecem os homens, que não sentem a pressão do relógio biológico. Por falar nisso, a expressão foi cunhada em 1950 e era associada aos ritmos naturais do organismo. Começou a ser aplicada à reprodução na década de 1970, quando ter bebés e uma carreira ao mesmo tempo começou a ser uma fonte de stresse para cada vez mais mulheres. O mundo não é perfeito e a vida é o que é, mas é um facto que a evolução das tecnologias médicas trouxe-lhes, a elas, uma margem de manobra que não tinham há algumas décadas. A idade média em que se é mãe passou, em seis anos, dos 29,8 para os 31,1 anos. Poder ter filhos até mais tarde e com menos riscos é uma realidade mas a biologia ainda parece levar a melhor.
Diferenças que contam
Quis tirar isto a limpo com o especialista do CHLN e concluí que sim. Por alguma razão a idade limite para doação de esperma se situa nos 45 anos e para os ovócitos esse prazo só vai até aos 35. É certo que estamos a falar no universo da fertilização in vitro (FIV) mas “em teoria, ele espelha o que acontece fora desta realidade”. E o que acontece é simples: o fator tempo também pesa sobre a fertilidade deles, na medida em que afeta a natureza do esperma. Sabemos hoje que, dos 55 anos em diante, os espermatozóides sofrem alterações que podem ser comparadas às das que se verificam, no caso das mulheres, na menopausa. Note-se que não estamos a falar de andropausa, termo cientificamente discutível e, porventura, socialmente forçado. Querer ser pai quando já se é avô pode, à semelhança do que sucede com a mulher, trazer complicações futuras. Voltando à questão inicial: a idade do pai importa? Apenas à luz da biologia e dos comportamentos, tudo indica que sim. Carlos Calhaz Jorge traz a lume algumas nuances que tendemos a ignorar: “Se um homem for obeso, se fumar, se abusar do álcool ou estiver muito tempo sentado na sua atividade profissional, a idade é apenas um fait divers”. Lá se vai a capacidade fertilizante. Há uns tempos, os telemóveis dentro dos bolsos preocupavam alguns homens por, alegadamente, contribuírem para o aumento da temperatura nos testículos. Passarem muito tempo na estrada a conduzir táxis, camiões, motas ou topos de gama também pode complicar a vida nesse território sensível. E se um homem põe a pensar no aquecimento global e nos efeitos da vida moderna nas suas sementes de virilidade perde logo a pica para ser pai de filhos.
“Não venhas tarde”
Em que ficamos? Eles têm, ou não têm? Um relógio biológico, entenda-se. Há uma mega pesquisa americana conduzida pela cientista Laura Dodge, em Boston, que pode contribuir para esclarecer esta dúvida – ou complicar a questão, dependendo da perspetiva que se tome. A análise de mais de 19 mil ciclos de tratamentos FIV realizados entre 2000 e 2014 permitiu concluir, como divulgado no jornal The Guardian, que sim. A idade do homem devia ser considerada no planeamento familiar do casal e – não menos relevante – mesmo sendo a mulher bem mais nova, ou seja, com idade inferior a 30. Se nos parceiros com idades entre 30 e 35 anos a probabilidade de terem um nado-vivo após uma FIV era de 73%, ela baixava para 46% quando eles tinham entre 40 e 42 anos. O que pensar disto, senhores? Nesta, como noutras áreas da vida, a exceção confirma a regra, mas a avaliar pelos resultados desta pesquisa de reprodução humana, se eu fosse homem não me fiava tanto no provérbio, sobretudo no que toca à segunda parte (“filhos até à cova”).