Já nestas crónicas falei, há dois anos, sobre ética e moral. E, tal como acontecia na altura, os conceitos continuam a ser frequentemente apresentados como equivalentes. Mas eu não concordo com essa equivalência, e expliquei porquê. Assim, defini ética como «uma construção (comportamento activo) racional, e individual (feita por indivíduos), realizada a partir do nosso interior (nosso esforço pessoal de reflexão) e dos desafios do presente»; e moral como «uma herança (comportamento passivo) de base emocional, e colectiva (transmitida pela sociedade em geral), imposta pelo exterior e formada a partir do passado». De um outro ponto de vista, mais prático – e breve –, vejo a ética definir o que não devemos fazer e, em contrapartida, a moral definir o que devemos fazer.
Em suma, concluo que são conceitos diferentes. Aliás, a prova é que ninguém se ofenderia se o acusassem de tresandar ética. Quanto à moral…
Ouço agora dizer que a decisão de fazer nascer uma criança com duas mães e um pai envolve questões éticas. Eu não as vejo. Mas vamos por partes.
A primeira grande questão que esta decisão levanta, para mim, não se relaciona com ética, mas com a avaliação dos impactos médicos, de saúde. Os cientistas têm muita tendência para descobrir coisas – a começar pelo próprio Einstein, para não falar de um Alfred Nobel arrependido – sem se preocuparem com as consequências dos seus actos. Um caso muito referido ainda hoje é o do telemóvel: quando foi criado, quem sabia realmente quais as consequências a prazo, no cérebro humano, da sua utilização? Deste modo, esta criança pode morrer com a maior das probabilidades, mas alguns cientistas acham mais importante o desenvolvimento da ciência.
A segunda questão também não é do foro ético: é a leviandade do motivo. Criou-se, nas nossas sociedades ocidentais, a «natalomania». E, apesar de o planeta se debater com um excesso populacional nunca visto, e com um exagero de crianças e de nascimentos permanentes, continuamos com a fobia da quebra da fecundidade. Há uns dias, até vi um carro com um autocolante a dizer: «família numerosa». É para juntar aos autocolantes com a bandeira da monarquia, mais a coroa, que também vejo colados nalguns carros, sem dúvida para afirmar um qualquer posicionamento social ou ideológico. Muito bem: a senhora em causa (a mãe principal da criança de 3 pais) não podia ter filhos? Adoptava uma das muitas crianças que vão em breve morrer de fome em África ou na Ásia.
Vamos então às questões éticas: quais são? Não descobri. Pensei e procurei na Net e não encontrei nada de relevante. Um ser humano só pode ter dois pais? Nas comunidades onde viviam os nossos antepassados mais remotos, as crianças eram filhos da tribo, e não de uma mãe ou de um pai. A criança irá ser gozada na escola? Como os filhos de pais homossexuais? Também dantes eram gozados os filhos de divorciados. Mas percebo que haja um problema moral. E acho que muito maior haveria se, nas nossas sociedades machistas, a criança tivesse uma mãe e dois ou três pais masculinos. E, aí, voltamos à tal distinção entre a ética e a moral.
Gosto da minha definição, a que dei no início. Há duas semanas, o meu filho mais novo, que estuda Filosofia, falou-me da teoria de Ronald Dworkin, que defende que a ética comanda as nossas regras internas e a moral as regras que defendemos junto dos outros. Fiquei a pensar e interroguei-me: contradição insanável entre o que queremos para nós e para os outros? Talvez sim, se falarmos do conservador que defende para os outros regras estritas de tradicionalismo e, na vida pessoal, é um libertino desvairado; talvez não, se falarmos do contrário: o indivíduo que defende que os outros devem ser totalmente livres, e fazerem o que quiserem, enquanto, na vida pessoal, é um conservador.
Mas a minha reflexão sobre esta história da criança com 3 pais fez-me imaginar uma outra filosofia para a distinção: a ética pertenceria a um quadro normativo planetário, de toda a humanidade, e definiria o que, humanamente, não se deve fazer; enquanto a moral pertenceria a um quadro normativo societário, de uma certa comunidade, e definiria o que, local e culturalmente, se deve ou não fazer.
Nesta perspectiva, e neste caso concreto, a haver questões relevantes elas seriam então morais – talvez o que mais assusta seja colocar em causa a ideia tradicional de família –, mas não éticas.