Prefaciou, conjuntamente com Eliane Vegas da Veiga, o meu segundo livro, Dos Vulcões ao Desterro, obra que é fruto de duas pesquisas que efetuei no sul do Brasil sobre a emigração açoriana para a ilha de Santa Catarina, ocorrida a partir de 1748, na decorrência do reinado de D. João V. Chama-se Ana Lúcia Coutinho e, embora nascida nessa que é tida nos Açores como a décima ilha, é descendente de avós originários das ilhas açorianas da Graciosa e da Terceira.
Escreveu, então, Ana Lúcia Coutinho que o livro “convida o leitor a participar e experimentar momentos de encantamento que mesclam epopeias, histórias de vida, tradições, natureza e atualidades. Um ir e vir de olhares sobre a herança cultural açoriana presente em Florianópolis.” E teve razão. É encantador conhecer de perto esta herança cultural que os açorianos deixaram em Santa Catarina, em meados do século XVIII, no seguimento de epopeias extraordinárias que geraram histórias a tocar o fabuloso, como dezenas de casais com filhos levarem três penosos meses de mar em frágeis embarcações para atravessar o enorme manto Atlântico rumo a esse destino incerto e com muitos a deixaram a vida nas águas. Usos, costumes e tradições vieram desse passado longínquo até aos nossos dias e lá estão, perenes, a provar que a temeridade açoriana não tem espaço, nem tempo.
Ana Lúcia Coutinho é hoje, em Santa Catarina, commumente aceite como uma das mais dinâmicas ativistas culturais do meio, cheia de ideias e de uma entrega incondicional aos interesses da comunidade catarinense, para além de ser possuidora de uma inteligência fulgurante. E o seu maior orgulho na vida é manifestamente a açorianidade que incessantemente persegue, de há muitos anos a esta data. Ela é hoje, com efeito, o elo mais forte no intercâmbio existente entre as duas comunidades atlânticas irmãs, a açoriana e a catarinense, orgulhosamente iniciado pelo então Reitor da Universidade dos Açores, Professor Doutor António Machado Pires.
Com toda a justiça, lembraram-se dela. Ana Lúcia foi justamente convidada por Douglas Borba, Secretário da Casa Civil do Governador do Estado de Santa Catarina, Carlos Móises, para assumir o importante cargo de Presidente da Fundação Catarinense de Cultura do Estado de Santa Catarina, o mais alto cargo na área cultural da décima ilha açoriana, e aceitou.
Os Açores ficam a ganhar com esta nomeação, pois desde logo passa a haver a certeza que o cordão umbilical, que desde Machado Pires liga esta região portuguesa atlântica à longínqua terra de migração, não será cortado. O valioso intercâmbio cultural “terá proteção, será preservado, valorizado e culturalmente promovido. Em todas as ações a serem desenvolvidas – assume Ana Lúcia Coutinho – está implícita a cultura açoriana, como todas as que compõem a diversidade cultural do nosso Estado.”
Em Santa Catarina existem instituições não governamentais que não deixam por mãos alheias o tratamento da cultura do Estado. O Núcleo de Estudos Açorianos; o Grupo Arcos Pró-Resgate da Memória Histórica, Artística e Cultural, de Biguaçu; os institutos de Genealogia e Histórico e Geográfico de Santa Catarina são ainda outros exemplos de importância fulcral.
Já no âmbito público, existem, no litoral catarinense, várias fundações culturais ligadas às prefeituras, de que poderemos citar a conceituada Fundação Franklin Cascaes, entre outras que se dedicam à perservação da história açoriana em Santa Catarina, várias delas com projetos específicos para proteger as expressões e manifestações culturais de origem açoriana. E a atenção de todas elas volta-se, sobretudo, para a religiosidade, fenómeno que persiste intacto deste a chegada do primeiro emigrante dos Açores e que se reflete na Festa do Divino Espírito Santo e em toda a sua ritualização. As festas dos padroeiros também fazem parte desta contextualização.
Saiba-se que “na manifestação religiosa arrolada ao Ciclo do Divino, só na ilha de Santa Catarina existem mais de 14 comunidades. E as paróquias do litoral catarinense também cultivam esta importante manifestação religiosa e cultural açoriana. Destas, algumas até possuem o registo de Património Imaterial. No passado dia 25 do corrente mês de julho de 2019, a Prefeitura Municipal de Biguaçu sancionou a lei que torna a Festa do Divino Espírito Santo da antiga Matriz de São Miguel da Terra Firme património imaterial.
É do desconhecimento da maioria dos portugueses continentais e até de muitos ilhéus a existência desta irmandade açoriana-catarinense com uma história comum com mais de dois séculos e meio e, para mais, à distância de quase 8 000 quilómetros.
Para consulta, existe toda uma extensa bibliografia que deveria ser conhecida dos portugueses por trazer revelações históricas sobre a vivência nos séculos deste povo atlântico e de que relevo, de Oswaldo Cabral, Nossa Senhora do Desterro, vol I e II” ( 1971) e Os Açorianos ( 1950); de Wilson Francisco Farias, Dos Açores ao Brasil Meridional – uma viagem no tempo: povoamento, demografia, cultura dos Açores e o litoral catarinense: um livro para o ensino fundamental ( 1998); Dos Açores ao Brasil Meridional (2000) e De Portugal ao sul do Brasil – 500 anos, história, cultura e turismo (2001); de Nereu do Vale Pereira, Contributo açoriano para a construção do mosaico cultural catarinense de trabalhos do autor versando a presença do português açoriano na ilha de Santa Catarina (2003); e ainda de Lélia Pereira Nunes, A Divina Festa do Divino. Existem outros muitos autores que trabalham o tema açoriano nas suas múltiplas manifestações, mas, como compreenderão, não os poderei mencionar a todos aqui.
A Presidente da Fundação Catarinense de Cultura do Estado de Santa Catarina, Ana Lúcia Coutinho, assumindo a sua paixão pelos Açores dos seus antepassados, faz questão de afirmar que “toda e qualquer função relacionada com o património Cultural e artes ligadas à nossa conexão histórica com o Arquipélago dos Açores estão abertas a intercâmbios.” E adianta que “internamente estamos estudando a possibilidade de uma rede de património cultural de que seguramente os Açores poderão ser um parceiro, estreitando ainda mais a nossa relação institucional com o Governo Regional dos Açores.”
Apanhe a TAP e vá conhecer os Açores catarinenses. Aterrará na metropolitana cidade de Florianópolis, conhecerá cerca de 100 praias paradisíacas, encontrará descendentes nossos e visitará lugares emblemáticos de influência açoriana, como o são Santo António de Lisboa, Sambaqui, Ingleses, na parte norte; e, a sul, o tradicional Ribeirão da Ilha e o Pântano do Sul. Atravessando para o continente, através da ponte Hercílio Luz, conhecerá Armação de Itapocoroy, no município de Penha; ainda a tradicional Enseada de Brito e os três Ganchos, onde se cruzará na rua com populares a falar de touradas, como os castiços que vê e ouve em qualquer rua da ilha açoriana da Terceira.
Os Açores estão de parabéns com Ana Lúcia Coutinho em Presidente da Fundação Catarinense de Cultura, o mais alto cargo histórico-cultural do Estado de Santa Catarina, no sul do Brasil.
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