Neste final do mês de maio, cumpre-se 30 anos sobre a Presidência Aberta nos Açores do então Presidente da República, Dr. Mário Soares. A 29 de maio de 1989, Soares desembarcou na Terceira com o propósito de percorrer as nove ilhas dos Açores para se inteirar das potencialidades de cada uma destas parcelas portuguesas e das suas reais necessidades. Era então Presidente do Governo Regional dos Açores o Dr. João Bosco Mota Amaral.
A marinha e a força aérea prestaram o apoio logístico e a SATA Air Açores, através do acionista Governo Regional dos Açores, disponibilizou os seus aviões para transporte do presidente, comitiva e jornalistas.
Através da RDP Açores, coube-me a sorte de, com outros colegas, integrar o grupo de jornalistas que cobriram o importante evento nacional, pelo que acompanhei o presidente neste périplo de 14 dias na Região Autónoma dos Açores. Foram entregues aos jornalistas livres trânsitos para, dentro das necessidades de serviço, poderem viajar em qualquer meio adstrito à presidência, desde navios da marinha de guerra a aviões e helicópteros.
Soares, estratega, quis selar o início desta sua visita às ilhas com um recado à União Europeia e afirmou que “a Europa, que nos Açores tem a sua fronteira oeste mais extrema, será tanto mais rica e afirmativa quanto melhor souber garantir a diversidade e evitar qualquer tipo de uniformização ou de dissolução das diversas identidades em presença”. Uma mensagem que fica.
Mas, dos múltiplos acontecimentos sucedidos nos longos 14 dias, os que mais retive passaram-se na mais pequena ilha dos Açores. Soares, o primeiro Presidente da República a pernoitar no Corvo “para melhor lhes sentir a alma”, como na altura afirmou, quis propositadamente falar dali, da incomensurável pequenez do arquipélago, ao mundo português do país e da diáspora. Belém era ali. A República chamava-se Corvo.
O pequenino povo exultou com a chegada do presidente à ilha. Ali, no longe da distância, no apartamento dos centros de poder, existia Portugal.
Soares, em jeito de homenagem aos corvinos, organizou um jantar para o qual convidou toda a população da ilha. As ruas engalanadas da pequenina vila naquela noite tiveram nomes diferentes, chamaram-se rua da carne, rua do peixe, rua dos mariscos, rua do vinho, rua dos sumos, rua dos doces … Só no Corvo é possível reunir à mesma mesa um povo todo.
Os presidentes da República, da Região Autónoma, da Assembleia Regional, demais autoridades, comitiva e jornalistas jantaram no Largo do Outeiro, para onde confluem todas as ruas da pequenina vila. E era tal o alvoroço que, na entrevista que fiz a Soares para a RDP Açores, Antena 1 e RDP Internacional, confundi-me entre Belém e São Bento e perguntei-lhe que significado tinha para ele transferir São Bento para o Largo do Outeiro, no Corvo. E foi mais um prato para Soares saborear.
– João, eu não estou em São Bento. Quem lá está é o Primeiro-Ministro! – corrigiu o presidente. E aí deu-se-me o apagão total. Desmemorizei por completo num direto internacional com o Presidente da República.
– Senhor presidente, desculpe-me mas apagou-se-me o palácio da presidência.
– Gago da Câmara, lembre-se dos três Reis Magos – insistiu, divertido, Mário Soares. E a palavra Belém continuava a escapar-se-me perante, supostamente, milhões de radio-ouvintes. Valeu-me um colega da televisão, o Pedro Moura, que, de alguns metros onde ouvia a entrevista num pequenino transístor que sempre levava, deu um salto rápido para cima do palanquim onde me encontrava com o presidente e berrou-me ao ouvido: “Belém, burro!” O presidente ouviu-o e riu-se.
– Belém, senhor presidente – disse eu bem alto do meu alívio. E a atrapalhação ficou remediada.
Não me consigo esquecer do voo instrutivo que fiz sentado frente à Dra. Maria Barroso, de Santa Maria para São Miguel, que nos fez amigos, e da chegada de Soares a Ponta Delgada, onde terminou a Presidência Aberta, sendo recebido por meu pai, então Presidente da Câmara Municipal, e das azáleas que a minha ainda pequenina filha Alexandra lançou ao presidente como forma de o agraciar, porém errando a pontaria e fazendo as flores embater na cara de Soares, que ato contínuo lhe sorriu.
No final deste trabalho árduo de entrar todos os dias em todos os noticiários da Estação e de publicar ainda histórias paralelas ao evento na programação geral, ficou-me a convicção da importância que, com efeito, têm as presidências abertas como veículos que são de aproximação do Chefe de Estado ao país real, auscultando in loco o povo, os seus anseios e necessidades, reunindo bases para posteriormente poder alertar os governos e demais entidades responsáveis para intervenções céleres e eficazes.