“Um dia depois de ter prometido à Europa controlar melhor as suas fronteiras terrestres e marítimas a troco de 3000 milhões de euros e outras concessões, a Turquia capturou 1300 refugiados e migrantes que se preparavam para viajar de barco para a Grécia. Serão agora enviados para um centro de repatriamento e avaliados os seus pedidos de asilo. Parte dos detidos arriscam-se a ser deportados”. Começa assim uma notícia de hoje (terça-feira, 1) do Público sobre a atuação das autoridades turcas em relação aos milhares de pessoas que chegam ao seu território em trânsito para um país europeu. Os detidos eram sírios, afegãos, iraquianos e iranianos.
A oferta de 3 mil milhões de euros foi feita dentro de um envelope, já muitas vezes usado, o da possibilidade da adesão da Turquia à União Europeia. O efeito de acenar com esta cenoura é duvidoso mas os europeus continuam a abaná-la em frente do nariz dos turcos cada vez que há um “problema”. Desta vez, o problema chama-se refugiados: até ao verão, cerca de 720 mil haviam pedido asilo em países europeus.
A história de respeito pelos direitos humanos da Turquia não é a melhor do mundo. Durante a primeira guerra mundial, entre 800 mil e 1,5 milhões de arménios foram exterminados pelos três Pashas, o nome pelo qual eram conhecidos os dirigentes do Império Otomano que o governaram de facto. À parte a elite burguesa e endinheirada que vivia em Constantinopla, a maioria dos arménios habitava em zonas interiores entre as margens dos mares Negro e Cáspio. Foram sistematicamente identificados, expurgados dos seus diminutos direitos de cidadania, expulsos do exército, expropriados dos seus bens, arregimentados para marchas mortais, que acabaram, muitas vezes, no deserto da Síria. Os que sobreviveram a estas caminhadas da morte foram ali deixados para perecer. “As estradas e o Eufrates estão cobertos com cadáveres de exilados e os que sobrevivem estão condenados a uma morte certa, pois não encontrarão nem abrigo, nem trabalho nem comida no deserto. É um plano para exterminar todo o povo arménio”, noticiava, no auge do massacre, a 18 de agosto de 1915, o New York Times. Outros foram queimados em palheiros e em estábulos e alguns sujeitos a envenenamento com drogas. A Turquia nunca aceitou pedir desculpas pelo seu passado negro.
Mais recentemente, sabemos como foi tratada a minoria curda (que durante a primeira Guerra Mundial foi arregimentada para lidar com os arménios) do país. A forma como o regime trata manifestantes ou jornalistas é de moldes a levantar também sérias preocupações em relação aos pergaminhos democráticos ou ao nível de liberdade pessoal na Turquia. Em 2013, as suspeitas de corrupção que recaíam sobre os mais próximos colaboradores de Erdogan, o atual presidente turco, levaram à prisão dezenas de políticos, a que se seguiu uma reforma do poder judicial que o deixou nas mãos dos políticos.
É a esta gente que a União Europeia entrega a missão de controlar o fluxo de migrantes (refugiados ou não, não interessa) que demandam as suas fronteiras. Capataz da Europa, Erdogan tem agora carta-branca para lidar com os refugiados. As notícias dos países ocidentais, que não pode calar como fez às redes sociais no seu país, darão certamente conta nos próximos meses do que por ali se passará. Que a Europa durma sossegada.