A Coreia do Norte não formalizou, até agora, um pedido de admissão na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Nem Robert Mugabe, apesar dos vestígios de história e presença portuguesas que podemos encontrar no Zimbabué. Mas se for decidido, na cimeira da próxima semana, em Maputo, aceitar a Guiné-Equatorial como membro da comunidade lusófona, uma decisão que está na forja, com que autoridade moral se poderá objetar a futuras candidaturas de tiranias similares?
Haverá um certo exagero no parágrafo precedente. Se, em grande medida, a ditadura sinistra e surrealista que prevalece na Guiné-Equatorial, uma antiga colónia espanhola, pode ser comparada ao que se passa na Coreia do Norte, mas sem a elegância e a sofisticação dos coreanos, já o mesmo não se poderá dizer em relação ao Zimbabwe de hoje. São ambos Estados párias, face à comunidade internacional, mas o regime de Harare permite algum espaço de liberdade à oposição, o que não é o caso de Teodoro Obiang Nguema, o tenebroso ditador que está no poder desde 1979. Na Guiné-Equatorial, a oposição ou está presa na infame prisão de Playa Negra, em Malabo, onde é sistematicamente torturada e, nalguns casos, executada, ou então, encontra-se no exílio.
A reputação de Obiang não se baseia apenas na violação brutal dos direitos humanos da população equato-guineense. A cleptocracia, a apropriação desenfreada da riqueza nacional pela família presidencial, é a outra face do regime. Ainda recentemente, a família tinha num obscuro banco americano, que também já havia prestado serviços a Pinochet, uns depósitos que totalizavam cerca de 700 milhões de dólares. Este é apenas um exemplo, dos muitos que são conhecidos. Os rendimentos do petróleo, que se transformou, nos últimos quinze anos, na fonte de riqueza nacional, se fossem utilizados para o bem comum, teriam permitido tirar da pobreza os cerca de 700 mil habitantes do país. A realidade é outra. As taxas de mortalidade infantil e maternal, dois dos indicadores que maior correlação têm com as condições de vida das famílias, são dos mais elevados do mundo. As estatísticas oficiais escondem a verdade, com números fabricados. Por falar em dados falsificados e propaganda do tipo orwelliano, o sítio oficial do regime na internet afirma, na sua página de abertura, que o índice dos direitos humanos do país é comparável ao da Espanha e superior ao dos EUA. Isto numa terra onde até o primeiro-ministro treme de medo, cada vez que o nome do Presidente lhe vem à cabeça.
É este ditador que os dirigentes da CPLP se preparam para integrar na lusofonia. Há quem diga, com ironia, que com Obiang à volta da mesa, Eduardo dos Santos fará figura de santo. É verdade que Angola lidera a pressão para que a Guiné-Equatorial seja admitida. São Tomé e Príncipe, por motivos de vizinhança, também está particularmente interessada. Não se entende, contudo, por que razão seria necessário ter a Guiné-Equatorial como membro a parte inteira da CPLP, para que Angola e São Tomé pudessem aprofundar as suas relações bilaterais com esse país.
A admissão não contribuirá, em nada, para a transformação democrática e para acabar com a pilhagem dos recursos públicos da Guiné-Equatorial. De facto, só a ação combinada dos EUA, da França e da Espanha, os parceiros mais importantes do país, poderá pôr fim a uma tragédia de várias décadas de governação pelo terror. Se for avante, a adesão poderá, isso sim, ser um golpe fatal na pouca credibilidade que a CPLP ainda consegue manter viva.