Os britânicos vão eleger um novo parlamento, a 6 de Maio. Lá, como cá, o Governo gastou, nos últimos dois anos, o que não tinha. Está profundamente endividado. Com um défice fiscal, em 2010, a rondar os 167 mil milhões de libras e a população a viver bem acima das suas posses, não é de admirar que o tema central das eleições seja a recessão económica. O défice das contas públicas, que equivale a 12,5% do PIB, é comparável ao da Grécia. O endividamento privado é, em termos proporcionais, maior que o dos portugueses. Atinge 170% do rendimento das famílias. Em Portugal, cada lar deve, em média, 135% das suas receitas anuais.
A economia britânica está muito fragilizada. Qualquer aumento das taxas de juro terá como efeito a insolvência de milhares de agregados domésticos. O Banco de Inglaterra sabe disso e, apesar da sua proclamada independência face ao poder político, tem dado uma ajudinha a Gordon Brown. Intervém, diariamente, nos mercados, para manter as taxas artificialmente baixas. Quem também tem ajudado são as agências de rating, de notação da dívida. Muito senhoras do seu nariz, quando se trata de países “mediterrânicos”, têm mantido a classificação da dívida pública inglesa ao nível mais credível, o triplo A.
A verdade é que os partidos não têm a coragem de dizer a verdade sobre a crise. Nem de falar na necessidade de mudanças estruturais, numa outra maneira de encarar a economia e o consumo. Os políticos continuam a adiar as questões inadiáveis, a fingir que não vêem. Mas os riscos de recessão generalizada não são o único tema de campanha. A imigração, a criminalidade, a qualidade dos serviços prestados pelo sistema nacional de saúde, a disciplina nas escolas são igualmente pontos centrais do debate público. Sem esquecer que lá, como noutros sítios, há uma profunda desconfiança em relação aos partidos. Depois dos escândalos relativos ao reembolso das despesas dos deputados, estar na política é visto com suspeita, como um indicador de oportunismo e faz pensar em falta de honestidade.
A Terceira Via, que era o caminho para a social-democracia avançada, proposto por Blair, desapareceu da paisagem. Já ninguém acredita na retórica que o antigo primeiro-ministro, com a ajuda de alguns intelectuais, inventara, na segunda metade dos anos noventa. O palavreado político é hoje mais terra-a-terra. Muito ligado às dificuldades quotidianas das pessoas. Também já não se fala da apregoada relação especial com os EUA. Deu votos, no passado. Com o Presidente Obama na Casa Branca, as prioridades geostratégicas dos EUA deixaram de passar por Londres e pela Europa Ocidental.
Curiosamente, a presença de tropas britânicas no Iraque e no Afeganistão está fora das atenções. É como se fosse um dado adquirido que essas intervenções se aproximam do termo. Aliás, os assuntos de defesa nacional passaram, como noutros países, a estar subordinados às preocupações de segurança e ordem interna. O medo do terrorismo e da criminalidade organizada ocupa agora o espaço que a psique colectiva reserva às ameaças vindas do exterior.
Na frente externa, apenas as relações com Bruxelas são matéria eleitoral. Sempre houve uma relação ambígua com o projecto europeu. Os dirigentes mais conservadores tentam tirar partido desse facto e jogar a carta nacionalista. Com o aprofundamento da crise e a presença cada vez mais visível de imigrantes vindos de todos os cantos do mundo, compensa ser populista e atacar a UE. Mas não chega para ganhar as eleições.