Quando cinco líderes, que representam 40% da população mundial e quase metade das reservas soberanas em ouro e divisas, se reúnem, há que dar atenção ao acontecimento. Seria um erro deixar passar em claro, sem qualquer tipo de referência, a cimeira dos BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – que está a decorrer em Durban. Diria mesmo que os líderes em Bruxelas, Berlim, Paris, Londres e Washington deveriam seguir com cuidado os ditos e os subentendidos deste encontro. As relações internacionais estão num processo de reequilíbrio de forças. Os BRICS, juntos ou individualmente, irão fazer parte da linha da frente.
Os trabalhos preparatórios da cimeira revelaram uma coordenação crescente entre os BRICS. Sobretudo, em matérias de políticas de comércio relacionadas com as negociações de Doha, de governação das instituições financeiras internacionais – ainda hoje controladas por poderes ocidentais – e de posicionamento perante algumas das crises mais importantes, da Síria ao Irão, passando pela Palestina e as revoltas no mundo árabe. A criação de um banco comum de desenvolvimento, destinado ao financiamento de infraestruturas, é o exemplo mais visível de um projeto comum. A motivação é a de criar uma alternativa ao Banco Mundial, que continua a ser visto como o principal promotor de uma filosofia liberal de desenvolvimento e como um instrumento de domínio anglo-saxão. É, no entanto, um projeto difícil de levar a cabo. Mas ilustra bem a razão de ser deste agrupamento de países: servir de contrapeso político ao eixo euro-atlântico.
Acontece que um alinhamento com base numa ideia vaga de mero contrapeso tem como resultado uma aliança fraca e confusa. A coesão entre os BRICS é frágil. Os cinco países são muito díspares. Têm realidades políticas, económicas e ambições geoestratégicas distintas. Do conjunto, apenas a China pode ser considerada como um estado com interesses globais. Os outros são, antes de mais, potências regionais – como é atualmente o caso da Rússia – ou com pretensões a sê-lo. O que representa o Brasil, por exemplo? Uma resposta generosa diria que se trata de um país que gostaria de projetar um peso na América Latina que não lhe tem sido reconhecido e que acredita que a frequentação dos palcos dos grandes deste mundo poderá ser uma alavanca para conseguir esse intento.
A verdadeira fragilidade tem que ver com as agendas subjacentes à formação deste grupo. A China e a Rússia veem nesta aliança uma oportunidade para garantir influência. E, também, para criar um círculo alargado de proteção, um escudo de aliados, perante as críticas que lhes são feitas em matéria de transparência governativa, de democracia e de direitos humanos. O reforço da cooperação estratégica entre Moscovo e Pequim é, aliás, um dos traços mais marcantes do novo xadrez internacional. Causa grande apreensão em Washington e Tóquio. Por seu turno, o Brasil, a Índia e a África do Sul querem ver na adesão à plataforma BRICS uma afirmação do seu direito a um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. É este objetivo último que move as respetivas políticas externas. É, igualmente, um motivo de frustração para estes três países, por não verem – e isso está a acontecer novamente em Durban – os outros dois membros dos BRICS expressarem um apoio inequívoco a essa pretensão. A tensão que o tema do Conselho de Segurança provoca tem atrasado o avanço de outros pontos da agenda dos BRICS. Vai ser, com o tempo, o calcanhar de Aquiles da aliança.