Dir-se-ia que, no espaço de uma semana, o País acordou para um “admirável” Mundo Novo. Parece que a nossa entrada no euro e a consequente eliminação dos riscos cambial e inflacionista criou um mundo de facilidades no acesso ao crédito que sustentou um ilusório aumento de riqueza. Parece que o sector transaccionável da nossa economia tem vindo a perder competitividade. Parece que o nosso tecido produtivo não conseguiu responder ao aumento de procura interna, que consumimos mais do que produzimos, e que temos vindo a acumular défice e endividamento externo. Parece, pois. Mas o que verdadeiramente parece extraordinário é que tudo isto soe a uma súbita revelação. Porque tudo isto, desde há vários anos, tem vindo a ser dito, escrito, gritado, por muitos dos mais respeitados e insuspeitos economistas do nosso país.
Como se justifica então a surpresa? Como se justifica que, estando o diagnóstico feito há tanto tempo, sendo previsível o desfecho a que agora assistimos, tenhamos continuado a caminhar alegremente para o abismo? Julgo que a questão, mais do que para o campo económico, nos remete para o domínio da política. E remete-nos em particular para as limitações (heresia! heresia!) da própria Democracia. Porque a verdade é que a política económica que temos seguido nos últimos dez anos, e que conduziu ao desastre que agora se “descobre”, foi sucessivamente sufragada pelo eleitorado. Por um eleitorado inebriado, é certo, pela ilusão de uma riqueza fácil. Mas a verdade é que, apesar de todos os avisos e até de algumas propostas políticas, fomos nós que escolhemos ficar surdos, fomos nós que optámos por “calar” os profetas da desgraça, fomos nós que escolhemos ser embalados pela ficção das facilidades que nunca existiram. Fomos nós, em suma, que fomos premiando todos quantos, nos últimos dez anos, nos prometeram aquilo que queríamos ouvir.
Dir-se-á que a Democracia é isto mesmo e que, a prazo, o sistema se auto-regula porque tem uma dimensão de auto-aprendizagem implícita na medida em que acabamos sempre por pagar o preço das nossas decisões. E é bem verdade. Mas o drama é que a história não acaba aqui. E pode bem acontecer mesmo que nem venhamos a ser nós, que sufragámos a política económica dos últimos anos, os principais prejudicados pelos erros de julgamento político que fomos cometendo. Pela simples razão de que a política seguida tem profundos impactos multigeracionais (e mais terá se o eng.º Sócrates persistir na sua perigosa fixação nas obras públicas) e muito do bem-estar de que desfrutámos nos últimos anos vai ser pago com pesados juros, não por nós, mas pelos nossos filhos. Que não foram chamados a decidir coisa nenhuma e muito menos beneficiaram da nossa ilusória riqueza.
Ora, para este problema, diga-se o que se disser, a Democracia não tem nenhuma resposta óbvia. E se é verdade que permanece o melhor de todos os sistemas políticos, não é menos verdade que o defenderemos tanto melhor quanto melhor soubermos conhecer as suas limitações.