Falta política na governação de Portugal. Disse política, não disse politiquice porque dessa estamos bem servidos.
Falta visão política. Faltam pensamento e reflexão políticos. Sedimentados e com a espessura suficiente para internalizar a dúvida e dispensar os dogmatismos.
Faltam sensibilidade e bom senso políticos. Que não se confundem com a irritantemente em voga “comunicação” política. Falta governação política que não é a mesma coisa do que a simples “coordenação” política e é o oposto e serve muitas de vezes de contraponto à governação técnica ou tecnocrática.
Sei bem que num país onde toda a gente se entretém a insultar essa coisa convenientemente indefinida que é a “classe política”, parece paradoxal falar assim. Mas deem-me a oportunidade de tentar elaborar tão inusitada ideia.
Antes ainda, e porque não quero embarcar em demagogias baratas, permitam-me que insista numa ideia que não é simpática e que as oposições gostam de esquecer. Acredito que não há, infelizmente, alternativas de governação substancialmente mais fáceis nem radicalmente menos dolorosas do que aquela que nos tem sido servida. Podemos, devemos, discutir a intensidade, os timings, a “modulação” das políticas como agora se diz e até alguns troços deste penoso caminho. Mas a situação a que chegámos é tal que sugerir que não temos que percorrer uma via sacra de sacrifícios é uma ilusão que por ser do domínio da simples charlatanice em nada contribui para resolver o drama que vivemos.
Dito isto, perguntar-se-á com legitimidade, se a rota de um doloroso ajustamento nos está imposta, será intelectualmente honesto contestar a aplicação rígida, corajosa, automática, teoricamente impecável, de um conjunto de medidas impopulares e difíceis mas que são condição necessária para evitar o mal maior da bancarrota ou a tragédia do ostracismo? Eis onde entra, onde tem de entrar, a política. Por duas grandes ordens de razões. Desde logo porque é preciso dimensão e lastro político para lembrar aos mais distraídos que a economia não é uma ciência exata mas uma ciência social. Que a economia lida com uma realidade irritante que são as pessoas.
Mexem-se, reagem de maneira impossível de modular, estão longe, muito longe, de se parecer com o ser racional dos pressupostos clássicos. E eu só conheço uma maneira de lidar com uma realidade complexa, impossível de prever e muito menos de modular: cultivar a humildade e o pragmatismo, aprender com erros, recusar o conforto e a inflexibilidade dos dogmas. Não é porque uma receita é difícil que pode deixar de ser cumprida, mas não basta ser difícil para fazer certa uma receita errada. Fazer política é ter o senso de perceber isto.
Mas fazer política é ainda mais do que isto. E vamos ao meu segundo e mais substancial argumento. Fazer política é ser capaz de dar sentido aos caminhos que se percorrem, por mais agrestes que estes sejam. Fazer política é ser capaz de dar nexo aos sacrifícios. Não se trata de entreter a maralha com ilusões, não se trata de distribuir ópios ao povo, muito menos de prometer amanhãs que cantam.
Trata-se de recuperar para a governação da polis uma visão minimamente consistente, socialmente mobilizadora e marcadamente ética do futuro. Trata-se, no fundo, de não esquecer que os povos têm um direito inalienável à esperança.
Eis, meus caros, onde tudo está a falhar.