Há duas maneiras de se pensar na frase “que se lixem as eleições” que o primeiro-ministro português celebrizou, na semana passada. A primeira é olhar para a coisa como um desabafo popularucho ou, numa leitura levemente mais sofisticada da coisa, como uma declaração de arrogância antidemocrática. Mas há uma segunda, para a qual me inclino. O “que se lixem as eleições” é um reconhecimento lúcido, descomplexado de que, de facto, a democracia é um regime imperfeito (heresia! heresia!) e que encerra um paradoxo de difícil de resolução: o de casar o tempo politico, o tempo da avaliação política, com o tempo, muitas vezes mais dilatado, que é necessário para que sejam visíveis os resultados da ação política.
Esta limitação agrava-se, por um lado, à medida que se encurta o tempo da avaliação política. Ou seja, agrava-se num tempo de sondagens, estudos de opinião, atos eleitorais desfasados que transformam a opinião pública num “doente em observação permanente” (a expressão é de Alain Minc) e colocam o Governo, qualquer Governo, num regime de avaliação contínua e ininterrupta, muito diferente do imaginado pelos founding fathers das democracias liberais. Aliás, como escreveu Sartori, era radicalmente diferente “a forma como o político fazia política há cinquenta anos. Fazia-a, sabendo pouco, e também preocupando-se pouco com aquilo que os seus eleitores queriam. Não havia sondagens; além disso, não se achava que o representante fosse ou tivesse de ser o mandatário, o porta-voz dos seus representados. As constituições, todas as constituições proibiam o mandato imperativo. Portanto, no passado, o representante era largamente independente dos seus eleitores”.
Mas esta limitação do método democrático também se agrava, por outro lado, à medida que se alarga o tempo necessário para que se tornem visíveis os resultados da governação. E se há casos, como o de boa parte das PPP’s, em que há um aproveitamento intencional e perverso desta “falha” democrática com a invenção de engenharias financeiras que desfasam temporalmente a ação politica dos resultados dessa mesma ação, remetendo-os para gerações futuras, casos há também em que essa limitação se aplica a atos de boa governação. Desde logo, em situações de crise extrema, em que se torna necessário levar a cabo reformas estruturais e de fundo, com imposição de sacrifícios no curto prazo, para obter benefícios mais à frente.
Nada disto constitui, bem entendido, a passagem de um cheque em branco ao Executivo. Até porque há medidas que têm o condão de ser simultaneamente impopulares e estúpidas. Mas vale a pena regressar a Minc: “Se devesse subsistir uma diferença entre o homem de Estado e o homem político seria sem dúvida a seguinte: o primeiro desafia as sondagens, quando a parada assim o exige; o segundo curva-se perante elas.” Há momentos em que a única forma de se governar é mesmo a de se lixar para as eleições.