Estou longe de ser um indefectível deste executivo. Nem sequer estou entre os que pensam que se trata de um problema de comunicação. Não é forma, é essência. Falta bom senso. Falta cultura. Em muitas áreas falta simples preparação. E onde esta existe, sobra, muitas vezes, arrogância e obstinação. Em suma, falta política, porque esta é também tudo isto.
Concedo que o debate sobre a “refundação” do Estado vem com 18 meses de atraso. Quando muito do capital social e político do Executivo se desvaneceu, quando o Governo destruiu pontes com a oposição, com o Presidente e, porventura mais grave, com os parceiros sociais com a UGT à cabeça. Quando a saúde da coligação já esteve mais viçosa. Para agravar as coisas, o debate aparece de forma ínvia. Travestido de opção técnica e de imposição externa. Quando, mais uma vez, do que estamos a tratar é de simples política e de política muito interna.
Mas dito tudo isto, estou, sem margem para ambiguidades, com o maltratado secretário de Estado Carlos Moedas. Este é “O” debate. O debate que interessa e o debate que se impõe à sociedade portuguesa. Porque não podemos ter o Estado que temos. Chamando os bois pelos nomes: porque não queremos pagar o Estado que temos. Mas, sobretudo, porque é o debate que um dia os nossos filhos dirão que devíamos ter tido para que eles pudessem ter liberdade. E se mais razões não houvesse, esta seria suficiente para que o fizéssemos de forma “serena, construtiva e realista”.
Ora, isso exige muito mais do que uma fuga de informação controlada de um relatório do FMI. E do que um coro de indignados protestos, apostado em criar mais um tabu na sociedade portuguesa.
Do Governo exige-se transparência, coragem, bom senso e – se não for pedir muito – capacidade de reconstruir com humildade muitas das pontes que fez gratuitamente explodir nos últimos 18 meses. Transparência para explicar aos portugueses que estamos a fazer política, que, nesta matéria, há obviamente uma grande matiz de opções, e que a cada uma delas corresponde um custo global muito diferente para os contribuintes. Coragem para definir sem ambiguidade qual é a sua opção e para assumir com o País um consequente e inequívoco compromisso em matéria de redução da carga fiscal (eis, aliás, uma frente em que vale a pena ir além da troika). Bom senso para conseguir sair do espartilho intelectual das teorias prêt-à-porter, para se reconciliar com o real e para reabilitar o possível. E humildade para reconstruir pontes, porque só um marciano pode pensar que, nesta matéria, alguém pode governar sozinho.
Mas, atenção. Da oposição não se pode exigir menos. Desde logo, a dignidade mínima de não responder a quem se esconde atrás de relatórios com a “coragem” de quem se camufla atrás de tabus. Depois, a maturidade de controlar o impulso pavloviano que a leva a ser contra tudo e o seu contrário. Mas, também, e talvez sobretudo, a responsabilidade de vir a terreiro, de rebater opções e de lhes contrapor soluções. Concretas, realistas, pensadas, estruturadas.
Repito. Este é, de facto, o debate político que interessa e o debate que, sem ainda o saberem, os nossos filhos reclamam. Não fazê-lo de forma séria é uma irresponsabilidade que envergonhará a nossa geração. Eis, finalmente, uma coisa sobre a qual não tenho grandes dúvidas.