Acabámos o ano com a TAP a voltar à estaca zero, com grande confusão na direção de topo da RTP e um ainda mais espantoso e duvidoso plano de “privatização” desta empresa, com declarações infelizes do primeiro-ministro sobre as reformas e as pensões, lançando suspeitas generalizadas por falta de concretização sobre ao que vinha. Acabámos o ano sem alcançar as metas macroeconómicas a que nos tínhamos comprometido. Acabámos o ano com nova vaga de despedimentos no setor privado e o desemprego a bater recordes. Acabámos o ano com um Orçamento do Estado a ir parar ao Tribunal Constitucional por múltiplas possibilidades de inconstitucionalidade, que vão da alteração dos escalões do IRS à sobretaxa sobre os rendimentos mais elevados de forma não progressiva, passando pelo tratamento diferenciado dos setores público e privado nos subsídios e pelos cortes nas pensões de reforma.
Mas acabámos também o ano com uma coligação PSD-PP cada vez mais frágil, com os dois partidos a revelar dificuldade de estar juntos, numa equipa que dá claros sinais de cansaço e descoordenação. Uma coligação incapaz de mostrar um sinal mínimo de coesão interna, nem que seja para consumo externo. E acabámos ainda o ano com um PS que também acusa dificuldade de encontrar o seu caminho, abandonando crescentemente o papel de oposição responsável, onde não recebe qualquer simpatia ou consideração por parte do Governo, substituindo-o pelo de oposição protagonista, liderante e litigante. Mas com uma liderança que perde personalidade à medida que cede ao protagonismo de outros setores do PS, setores que não irão regressar ao poder, mas que podem muito bem abrir a porta a uma terceira via, empurrada para o colo de António Costa, que perde diariamente capacidade de fuga a esse “destino” sempre adiado.
O ano acabou com águas turvas na economia, na política e na vida diária dos portugueses. Mas não tenhamos dúvidas de que o grande teste está ainda para vir: o primeiro trimestre que agora começa vai ditar regras sobre a vida de todos nós. No final de janeiro, chegam os primeiros salários esmagados pelo “brutal aumento” da carga fiscal. Com todas as reservas ainda no ar sobre a “bondade” da política de subsídios a duodécimos e do efeito das tabelas de retenção de IRS decididas para 2013.
Está toda a gente na expectativa e com razão. Ninguém sabe ao certo como se comportarão os consumidores, e até que ponto poderão prejudicar irremediavelmente os muitos milhares de pequenas e médias empresas que vivem, já hoje, mesmo sem o anunciado emagrecimento de rendimentos, no limiar da sobrevivência.
Serão três meses decisivos. Provavelmente calmos, de expectativa, mas, ainda assim, determinantes do que acontecerá a seguir: ou agravam irremediavelmente o andamento da economia ou afastam medos, dando início à travagem da descida.
A verdade é que, no horizonte, à margem do sofrimento de empresas e de pessoas, surgem alguns sinais de alívio da atual crise. A começar na distante e simbólica revisão de notações da dívida grega, passando pela promessa do FMI de revisão de objetivos e diminuição de pressão sobre a economia irlandesa, em caso de quebra do PIB superior ao previsto, e acabando na baixa das taxas de juro da dívida pública portuguesa e da ligeira subida, simultânea, da nossa bolsa.
É um conjunto de sinais positivos, não só para a economia portuguesa, que surge com menos risco, mais segura para os investidores, como também para o conjunto da Zona Euro, que parece começar a colher frutos de algumas das medidas de reforço do sistema financeiro, voltando a aparecer no mapa internacional das opções de investimento.
Apesar de todas as dúvidas e prudências, os sinais existem. Mas a grande questão continua a ser a de sempre: quando é que Gaspar começa a falar mais depressa? Quando é que teremos o prazer de o ver passar, animadamente, para a economia “real”, para as empresas e famílias, algum ânimo e alguma esperança no futuro?
Em alguma altura terá de ser colocado um ponto final no contínuo processo de empobrecimento do País. Em alguma altura, o Governo perceberá que a emenda é pior que o soneto. Em alguma altura terá de perceber que a corda já não estica mais.
Esse ponto limite será o primeiro trimestre de 2013. Já em abril, seguramente, estaremos todos a fechar contas: famílias, empresas, oposições, coligação e Governo, se ainda existir.
Em contraciclo com uma pobreza de pensamento estratégico lamentável, a Plataforma para o Crescimento Sustentável apresentou um conjunto de propostas que são uma lufada de ar fresco, mostrando que, apesar de todas as crises e falta de dinheiro, ainda há espaço para ideias inovadoras e mobilizadoras. Presidida por Jorge Moreira da Silva, que é, hoje, também, vice-presidente do PSD, esta “plataforma” propõe um conjunto de ideias que, além do seu valor intrínseco, tem ainda o “picante” de ir muito além, ou mesmo contra, o que é a linha oficial do PSD e do Governo. Mas faça-se a justiça de dizer que isso não só fica bem a Moreira da Silva, como é também o menos importante deste meritório trabalho.