Saímos destas eleições com uma situação bem mais complicada do que aquela que existia antes de domingo. Não no campo da gestão autárquica, porque, aqui, os eleitores fizeram as suas escolhas. As coisas pioraram foi a nível das condições de governação do País.
Nesta fase de contas e de reclamação de vitórias, o PS é, sem sombra de dúvida, o vencedor destas autárquicas. Quanto mais não seja, porque a vitória pertence, simplesmente, a quem ganha. E os socialistas ganharam, em votos e em câmaras, roubando a liderança ao PSD – um derrotado indiscutível, já que perdeu sob todos os pontos de vista.
Os socialistas ganharam, mas não em toda a linha: perderam câmaras importantes que eram suas para o PSD, fenómeno difícil de explicar, na atual conjuntura, perderam municípios importantes para a CDU, o que mostra que não é fácil andar no centro e agradar a gregos e a troianos, e perderam para independentes e dissidentes, o que prova que as autárquicas ainda têm muito de local e que as opções dos partidos – os erros dos partidos – não são indiferentes para os eleitores.
Por tudo isto, o PS não conseguiu “aquela” vitória esmagadora que tornava inevitável a queda do Governo. Mas o PSD sofreu uma derrota com força suficiente para empurra o atual Executivo para uma situação de grande fragilidade, quer perante o exterior, quer perante o País, quer mesmo perante a sua própria base de apoio.
Os independentes afirmaram-se nestas eleições como uma verdadeira força autárquica, como uma nova fonte de poder político, legitimada pelo voto popular e a disputar a gestão dos recursos públicos. São novos atores com os quais os partidos terão de contar, de negociar e de repartir poder. Até porque eles já lhes roubaram o poder em vários sítios – e não apenas onde ganharam, mas também onde determinaram vitórias e derrotas.
Os independentes são o grande facto político destas eleições, uma nova realidade que ultrapassa em muito a simples contagem de votos e de câmaras ganhas. Não é um facto que seja, em si mesmo, bom ou mau. Como se viu, aliás. Mas é uma nova realidade e irá, seguramente, alterar a forma como os partidos discutem e escolhem os seus candidatos autárquicos – e, por vezes, a escolha pelas estruturas locais é ainda pior e mais caciqueira que a escolha pelo poder central dos partidos. A vitória de Rui Moreira e a correspondente derrota de Menezes, é de tudo isto um bom exemplo.
O PCP e o CDS são os outros partidos que reclamam vitória. Os comunistas porque voltaram a pintar de vermelho a margem Sul do Tejo e quase todo o Alentejo. O CDS porque passou de um para cinco presidentes de Câmara. Mas não são vitórias iguais: os comunistas não têm de olhar para qualquer outro aspeto deste resultado que não seja o expressivo crescimento face ao que alcançaram nas autárquicas anteriores. Já o CDS apenas consegue cantar vitória numa lógica de puro partidarismo, “trocando” a conquista de mais quatro minicâmaras – três das quais eram do PSD – pelas inúmeras derrotas que sofreu nestas autárquicas, lado a lado com o mesmo PSD… E ignorando os efeitos que estes resultados eleitorais terão, necessariamente, na coesão e margem de manobra do Governo a que o CDS pertence… liderado, insiste-se, pelo mesmo PSD.
Como se governa o País que sai destas eleições? Deixando de lado leituras extrapoladas de resultados autárquicos para a governação nacional, e questões de legitimidade política daí decorrentes, fica a realidade de um Governo politicamente fragilizado, de um partido dividido que já pediu uma caça às bruxas, de um líder (partidário, de Governo e de coligação) que ficou ainda mais isolado e de uma aliança política que criou um novo engulho difícil de digerir. A isto junta-se uma oposição de esquerda que ganha fôlego, com um líder socialista que reforça a capacidade de oposição e um partido comunista com mais ânimo para ir para a rua contestar a ação governamental. Some-se a estes factos um Tribunal de Contas que chumba todas as propostas de “reforma” do Estado (era melhor chamar-lhes apenas medidas de poupança de despesa pública); um Presidente que apoia o Executivo, mas que também hesita, e que, às vezes, lhe tira o tapete; uma troika que continua cega e inflexível; mercados financeiros que veem cada vez menos razões para acreditar em Portugal; uma situação económica e financeira que continua insustentável; e, por fim, um orçamento que é impossível fazer sem apoio político e coesão nacional, coisas que não existem nem vão existir…
A resposta à pergunta de “um milhão de dólares” só pode ser uma: governa-se, necessariamente, mal. E resta saber até quando conseguirá Passos Coelho manter esta capacidade, verdadeiramente extraordinária, de resistir a tudo e a todos, às oposições externas e aos obstáculos internos.