A produção de cereais cairá este ano cerca de 22% face a 2011. É a mais grave queda da última década e confirma uma tendência global de abandono das terras que vem desde a década de 80, desta vez agravada ainda pela seca que atinge fortemente o País.
O recurso às importações irá, inevitavelmente, subir e o mesmo acontecerá com os preços, e de forma acentuada. Até porque, azar dos azares, a seca não é só nossa nem é só dos solos, é também de escassez de matéria-prima para venda nos mercados internacionais. Existem quebras de produção noutros locais do mundo, fornecedores tradicionais dos países deficitários, como são os casos dos Estados Unidos e da Rússia, também apanhados por uma forte escassez de água.
O défice na produção de cereais é um fator crónico da nossa História. Justificou conquistas no outro lado do Mediterrâneo e o mito do “Alentejo, celeiro de Portugal”. Mas apesar da má qualidade dos nossos solos e do clima desadequado para a produção de determinados cereais, Portugal não pode deixar de tomar medidas que invertam esta inaceitável perda de capacidade produtiva. Os cereais são hoje matéria-prima essencial para vários fins, do pão às rações para animais e a várias outras indústrias alimentares e não alimentares. São hoje um bem tão essencial quanto globalizado. E tão sensível quanto qualquer outro bem com estas características: tudo acontece em excesso. Tal como com o crude, um espirro num ponto do globo, faz disparar os preços no outro lado do planeta. Com efeito de arrastamento: os preços dos cereais vão subir, o preço do pão vai subir, o preço das rações vai subir, o preço da carne vai subir… – e tudo poderá subir a um ponto em que apenas alguns poderão pagar. E repetidamente: hoje são as secas, amanhã serão as cheias, será o risco de guerra ou a escassez de petróleo, que fará disparar os preços dos cereais.
A globalização garantiu acesso a produtos antes impensáveis. Mas a pura lógica dos preços, a livre circulação de mercadorias e a especialização de produções a nível global criaram também elevados riscos de interdependência – ou de simples dependência. E, em alguns casos, criaram dependências que deviam ser reduzidas ao mínimo.
O mundo económico e o mundo natural estão a mudar muito depressa. E no que toca a matérias-primas essenciais, estes dois mundos irão cruzar-se ciclicamente, de forma muito linear, direta e devastadora. Temos, por isso, de ser igualmente rápidos na definição de prioridades e de políticas de autossuficiência em áreas críticas – como o são, desde logo, a água e a energia, fontes primárias para muitas das coisas essenciais à vida e às “indústrias” estruturantes dos dias de hoje.
Podemos discutir, como fazemos todos os dias, os riscos, ou a razoabilidade, da privatização total de setores e bens estratégicos, como são também a saúde, transportes, telecomunicações ou banca. Podemos discutir se a venda desses setores a estrangeiros aumenta ainda mais esse risco ou falta de bom senso. Mas é estranho que não se discuta, antes de tudo o mais, se esses bens estratégicos estão ou não garantidos no futuro, independentemente da natureza das mãos em que se encontrem. É essa certeza, de que estarão disponíveis para nós amanhã, que temos de assegurar. E temos, definitivamente, de perceber que há casos em que vale a pena pagar um pouco mais para garantir a nossa autonomia e subsistência. Chamem-lhe, se quiserem, um prémio de seguro. Na água, na energia, nos bens alimentares básicos.
No meio da crise económica global (que conta com o forte contributo deste impasse europeu), continuamos incapazes de traçar um quadro de atuação para que o BCE combata eficazmente os ataques dos mercados financeiros aos países mais fragilizados do euro. Num dia, Mario Draghi diz que o BCE está pronto para comprar títulos de dívida aos países que peçam ajuda e aceitem as regras dos fundos europeus. No dia seguinte, o boletim mensal do Bundesbank afirma que a Alemanha mantém a sua oposição à compra direta de títulos da dívida pública pelo BCE. E, ao terceiro dia, vem um porta-voz da autoridade monetária europeia afirmar que nada está decidido. A pressão sobe sobre Itália e Espanha, Portugal e Irlanda mantêm-se em banho-maria, a França é um alvo a prazo e a Grécia desespera. Quanto à Europa, desagrega-se ainda mais, semana após semana, com os indicadores do desemprego a atingirem valores que apenas podem ser considerados indecentes em qualquer sociedade que se preze.
‘Viagem da agonia’ é por tudo isto um nome muito bem escolhido pelos gregos para a ida do seu novo primeiro-ministro à Alemanha, nesta sexta-feira, para uma reunião com Merkl e o seu irredutível Governo. Antonio Samarras espera chegar a Berlim com algum apoio de líderes europeus, conseguido em encontros que tem promovido em Atenas, um deles com Durão Barroso, e com cortes adicionais de 11,5 mil milhões de euros no orçamento. Além de um pedido de mais tempo para a Grécia cumprir com o plano de resgate. Mas, apesar do desespero do povo grego, as expectativas de sucesso são baixas. Também aqui parece não haver espaço para o pensamento de longo prazo.