1. Creio que o comunicado da reunião do Conselho de Estado (CE) dececionou, em geral, os portugueses. Não será caso para isso, pois os comunicados deste tipo de órgãos nunca vão além de generalidades. Além da reunião ter um tema (perspetivas da economia portuguesa no pós-troika) mais próprio para um colóquio com videntes e economistas, daqueles tão sábios que nunca acertam uma, do que para um órgão político de topo de um país cujos cidadãos vivem uma situação dramática.
O dececionante é o Presidente da República (PR) ter convocado o CE com tão prematuro e extravagante tema, e não para debater a atualidade. Mas não acredito que boa parte dos conselheiros não tenha falado também, ou sobretudo, da situação atual. E se não fosse toda a anterior atuação do PR, o apoio ou tipo de apoio que tem dado ao Governo Coelho/Gaspar, arriscaria o seguinte: a) o PR inventou tal tema com o objetivo de não dramatizar a situação, mas sabendo que, apesar dele, a atualidade estaria em foco e análise; b) e sabendo que essa era a forma de o primeiro-ministro ouvir as críticas, não poucas e algumas acerbas, às suas desastrosas políticas. E, tendo-as ouvido, como provável ou mesmo previsível, isso não terá passado pela cabeça de Cavaco Silva?…
2. Durão Barroso defendeu a urgência de acelerar o combate à evasão fiscal. Que num só ano é do mesmo valor do orçamento comunitário de seis anos. Atingindo as suas perdas cerca de um bilião de euros anuais, quase o dobro do défice orçamental de 2012 de todos os Estados-membros da UE! E então, face a esta enormidade, a este genocídio financeiro de países e povos onde grassam o desemprego, a pobreza, as cada vez maiores e mais terríveis desigualdades, que fazer? Barroso falou em aprovar algumas medidas legislativas propostas pela Comissão e melhorar a coordenação europeia desse combate.
Desde sempre me lembro de ouvir esta conversa, mais ou menos mole. E nem agora, quando chegamos onde chegámos pelas razões que se sabe, há políticos a sério, dirigentes de países e instituições, que lutem pelo que é essencial e a todas as luzes (incluindo um mínimo de justiça, ética ou simples decência) se impõe – acabar com os criminosos offshores? Se a União Europeia e os EUA o fizessem – o que não ignoro ser muito difícil, mas possível – tudo seria diferente. O problema é que vivemos sob a tirania feroz, cega e desumana dos famigerados “mercados”. E os offshores são o sangue das suas veias e as veias por onde lhes circula o sangue…
3. O atual estado de coisas não se pode manter. E há instituições que, face aos seus princípios e à sua doutrina social, têm estrita obrigação de contribuir para acabar com ele, não podendo esperar sentadas e silenciosas que acabe por si. Uma delas é a Igreja Católica. Sendo reconfortante, neste momento, ouvir as mensagens do novo Papa Francisco. Menção especial à sua recente intervenção, entre nós quase ignorada, que Mário Soares muito bem destaca no seu texto na pág. 26.
É bom, e constitui um sinal de esperança, que um Papa, com palavras claras, e que gostaria fossem luminosas para os senhores do mundo, denuncie “a avidez de poder e riqueza que não conhece limites”. Mais, sublinhe que “a adoração do antigo bezerro de ouro encontrou uma nova e cruel versão na idolatria do dinheiro e na ditadura de uma economia sem fisionomia nem finalidade humanas”, quando “o dinheiro deve servir e não governar”, a ética e a solidariedade são os valores fundamentais. E é bom também, constituindo outro sinal, que para Patriarca de Lisboa tenha sido designado um bispo com a dimensão humana, moral e cultural de D. Manuel Clemente.
4. Hoje, estes problemas e os desafios inerentes são globais. Por isso as respostas a eles têm de ser globais também. A essa luz se saúda e aguarda com expectativa o que pode sair da agora criada, a partir da Alemanha, Aliança Progressista, que vai reunir partidos, sindicatos, movimentos sociais e personalidades socialistas e sociais-democratas, ou afins, de várias latitudes. Voltarei a ela, como, a nível nacional, a uma iniciativa que não sendo nova na intenção poderá ser a primeira em que participem representantes, mesmo que informais, de todos os mais importantes setores do centro-esquerda e da esquerda portuguesas (pág. 10).