1. Se esta coluna tivesse outras caraterísticas, começaria: já não há pachorra para ouvir Vítor Gaspar! Já não há pachorra para quem seraficamente contentinho nos vem dizer que Portugal “passou” na avaliação que a troika nos vem fazer como quem classifica os “trabalhos de casa” do aluno pobrezinho mas muito bem comportado, que até faz mais do que os “sotôres” mandam… Já não há pachorra para tantos números, tanta projeção, tanta conversa alegadamente técnica encobrindo simples opções políticas que se têm mostrado desastrosas. Já não há pachorra! E não teria ouvido o ministro das Finanças.
Mas esta coluna é o que é, e embora sem pachorra, lá ouvi a sua periódica piedosa prédica. Ouvi, penosamente. E espantado, sobretudo por três ordens de razões:
a) O ministro e o Governo, de mão dada com a troika, continuam imperturbavelmente o mesmo caminho, repetindo e ampliando as mesmas receitas, como se tudo estivesse no melhor dos mundos;
b) Apesar dos rotundos falhanços de sucessivas previsões, continuam serenamente a fazer novas previsões, até a médio prazo, definindo metas e políticas a partir delas;
c) Não obstante Vítor Gaspar haver admitido, em resposta a um jornalista, que teria agido de forma diferente (cito do Público) se soubesse os resultados das medidas tomadas, não se vê que reconheça a razão dos muitos que os apontaram como inevitáveis, nem que em nada de essencial os tenha agora em consideração, alterando a linha de rumo.
Em suma e em síntese, caricaturando um pouco, Gaspar disse-nos, uma vez mais, que tudo vai bem dentro do pior possível, ou vice-versa, e nada irá mudar, nem as previsões que nunca acertam!
2. Enquanto Portugal vive numa apagada e vil tristeza, que não podemos, apesar de tudo, deixar que nos vença, o Brasil respira saúde, crescimento, pujança, otimismo. O Brasil, eterno “país do futuro”, um futuro que nunca chegava, é já um “país do futuro” no presente; pelo contrário, em Portugal, a sensação é que o “país do futuro” já teve presente e hoje é só passado… Basta recordar dois períodos – o posterior à entrada de Portugal na CEE e o da Expo’98 -, para ver como as situações de então para cá se inverteram. Quem, como eu, tem uma grande ligação ao Brasil, e aí vai com frequência, tem uma noção nítida, quase física, de que assim é…
E nem se diga que tal se deve a o Brasil ser rico e Portugal não, porque isso não mudou. O que mudou foram as políticas e os dirigentes – daí eu insistir na importância para nós de estudar a sério o “caso” brasileiro. Sem esquecer as raízes que vêm do Governo de Fernando Henrique Cardoso, um político/intelectual preparadíssimo, e verdadeiro social-democrata, a grande mudança operou-se nos governos de Lula da Silva, o pobre retirante pernambucano, depois carismático líder sindical e de um partido “esquerdista”, que graças à sua enorme sabedoria se elegeu Presidente da República e com grande inteligência, intuição, moderação, sem ruturas mas sem nunca esquecer os mais pobres, privilegiando as políticas sociais, conduziu o país a um desenvolvimento ímpar e à notável posição atual, inclusive a nível mundial, que a sua sucessora, Dilma Rousseff, está a manter e consolidar.
3. E é a Presidente Dilma, que numa excelente entrevista a El País, explica as razões do êxito do Brasil (que várias vezes esteve mais perto da bancarrota que Portugal, também lá teve o FMI, etc.) e mostra como a política de austeridade só conduz ao precipício. “Distribuir renda é uma exigência moral, mas também uma premissa do crescimento”, sublinha. Como sublinha não haver qualquer incompatibilidade entre reduzir a despesa pública e investir, rigor orçamental, controlo da inflação e impulso do desenvolvimento, luta contra a pobreza e aposta na sociedade do conhecimento. Defendendo sempre mais democracia, Dilma alerta para o facto de as receitas que estão a ser seguidas na Europa conduzirem a uma “recessão brutal”. Uma entrevista com saber de experiência feito, com provas dadas, que vale mais do que todos os discursos de Passos Coelho e Gaspar e todos as teorias dos economistas do “costume”…