A principal manchete do Público de quinta-feira, 16, sob uma foto relativa à derrota do Benfica, tinha este título: “Berlim demarca-se da austeridade e acusa Barroso de incompetência”. E logo a seguir, em corpo grande, remetendo para a notícia no interior: “Responsáveis alemães criticam austeridade e aumento de impostos, a dupla linguagem de dirigentes da troika e acusam em particular a Comissão Europeia de incompetência e rigidez”. Dentro, a página inteira, em matéria assinada pela jornalista que julgo ser correspondente do jornal em Berlim, lá vinha o desenvolvimento, com o título “Alemanha junta-se ao coro de críticas contra a austeridade das troikas”. Como fontes, eram citados apenas “responsáveis alemães”.
No mesmo dia, a abrir a primeira página de El País, e por isso como sua principal chamada também, notícia de teor igual ou semelhante, embora com um ‘ângulo’, no título, ligeiramente diferente: “Europa se sume en la recesión más prolongada de su história” – “Alemania carga contra Barroso y la troika por la gestión de la crisis”. O prestigioso jornal espanhol citava, a este propósito, “uma alta fonte do governo alemão”, em matéria também de um jornalista ou correspondente em Berlim; e desenvolvia a análise da situação nos países sob resgate ou em situação mais difícil.
Face a estas notícias, a conclusão de muitos cidadãos terá sido, como foi a minha, ‘até que enfim, o próprio governo alemão estará a reconhecer o fracasso das políticas de austeridade (ou pelo menos de austeridade excessiva), que conduziram os países periféricos, e não só – é ver a Itália e mesmo a França – à situação dramática em que se encontram’. O que, claro, teria de ter igualmente, mais tarde ou mais cedo, reflexos na economia alemã e fazer com que o senhor Wolfgang Schäuble, o homólogo e mestre, para não dizer “patrão”, do senhor Vitor Gaspar, começasse a ter, inclusive dentro do seu governo, contestação semelhante à dele, Gaspar; e a ter, dentro do seu país, com as exceções que confirmam a regra, a condenação generalizada de que sofre o ministro das Finanças português, ou, de forma mais precisa, o representante permanente da troika em Portugal.
Só que ontem, sexta-feira, 17, o Público tem uma manchete, com destaque semelhante ou ainda maior, com o título “Um dia depois de criticar Barroso em off, Governo alemão elogia-o em on”, noticiando que, face àquelas notícias e à reação de Bruxelas, a chancelaria alemã emitiu um comunicado a garantir que “apoia ‘plenamente’ os programas de austeridade”. O comunicado é, aliás, muito curto – e a ele não encontrei nenhuma referência no El País, o que não deixa de ser surpreendente…
Do ponto de vista jornalístico, inclusive deontológico, a não identificação de fontes concretas naquelas notícias pode ser discutível. Na minha ótica, porém, e por razões que aqui não posso desenvolver, trata-se de um daqueles casos em que é admissível, pois nunca um membro de um Governo dará uma informação dessas aceitando que ela seja feita. O que daí decorre é a credibilidade das notícias poder ser mais ou menos posta em causa, dependendo da credibilidade dos jornalistas que a assinam e/ou dos orgãos de comunicação social em que são dadas.
Ora, no caso em análise, parece-me óbvia essa credibilidade – e não pode deixar de se concluir que pelo menos parte, decerto significativa, dos “responsáveis alemães”, com uma intervenção funesta em todo o processo europeu, já têm aquela posição. Que poderá antecipar o termo da travagem que a Alemanha tem feito a uma mudança do rumo de que é grande responsável, mudança absolutamente essencial, inevitável, que há muito se impunha (se impõe) embora Gaspar e Coelho pareçam ainda não ter dado por isso…