O que significa ter legitimidade política? O assunto é delicado, mas vale a pena falar nele, sem rodeios, quando, em cima da mesa, há todo um programa que arrasa os alicerces do presente e do futuro da esmagadora maioria dos portugueses. Não se trata apenas de questões materiais, embora elas sejam cada vez mais importantes para a generalidade das famílias. Trata-se, também, da preservação de valores supremos como a liberdade, a igualdade de oportunidades ou o pleno exercício da democracia.
Ter legitimidade política é ter sustentação, é ter uma base composta de muitos ingredientes entre os quais constam os votos, sim, mas também um programa e uma história, que é o mesmo que dizer uma tradição e uma prática. Ou seja, a decisão de apoiar esta ou aquela força política implica um julgamento apriorístico que é, obviamente, fundado numa multiplicidade de fatores determinantes para conferir conteúdo e sentido ao ato de votar de cada um. Constitui-se, assim, uma lealdade de vasos comunicantes em que os governantes cumprem um programa cuja execução se legitima pelo ato de vontade da maioria que o sufragou e para a qual os mandatou enquanto seus representantes. A saúde da democracia tem vindo a ser a pouco e pouco minada pelo desfasamento entre as promessas e o exercício efetivo da prática política, mas, embora os principais atores do sistema reconheçam as consequências gravíssimas deste caminho, a verdade é que ninguém tem força ou vontade efetiva de fazer implodir esses bloqueios.
Em Portugal, este desfasamento atingiu os limites com o atual Governo. PSD e CDS chegaram ao Governo com projetos, enquadrados numa história feita de referências e de valores nos quais milhões de portugueses se reveem. Os seus principais líderes defenderam mil e uma vezes as orientações que iriam presidir à sua ação política: não aumentaremos os impostos; não reduziremos salários e pensões; não eliminaremos subsídios; vamos cortar na despesa; o caminho é fazer crescer a economia para criar emprego… O resto da história é conhecido. Passos e Portas fizeram exatamente o contrário e ainda muito pior do que o expectável, reduzindo a pó proclamações, programas e toda uma imagem que os eleitores têm destes dois partidos. Pergunta: em que se baseia, então, a legitimidade deste Governo para tomar estas medidas de austeridade? E nem vale a pena a desculpa do chamado “programa” da troika, porque, como está mais do que percebido, a troika pode ser persuadida como o foi no caso da TSU, ou ultrapassada como aconteceu com o objetivo de diminuir o défice por via de 2/3 de cortes na despesa e apenas 1/3 na receita.
Vivemos um momento dramático em que se assiste à terrível evidência de termos um Governo de costas voltadas para o País. Dia a dia vemos mais e mais setores da sociedade a clamarem a sua repugnância pelo Executivo e a contestarem as suas decisões. Já não se trata apenas de dinâmica política, há uma absoluta quebra de confiança dos portugueses nos atuais governantes. É preciso entender isto e fazer mais e de forma mais visível. Não chega escrever no Facebook, o Presidente tem que ter a coragem de agir. Porque o CDS, partido dos contribuintes, dos reformados e da lavoura, está morto e enterrado e o PSD, partido da classe média e dos equilíbrios sociais, desapareceu. E as suas almas não terão paz por muitos e longos anos.