1.Vamos assistir, ou melhor, já começámos a assistir, ao primeiro braço-de-ferro entre o Governo e a troika. Perdão, entre a troika e Paulo Portas. Esta é, para já, a face visível das mudanças que Passos Coelho foi obrigado a fazer, na sequência da perigosa crise política de julho e que alterou significativamente a correlação de forças na equipa governativa. Correlação de forças que, como se está agora a perceber mais em concreto, não se limitou à entrada de reforços significativos no lado do CDS (como é o caso de Pires de Lima), ou a uma nova arquitetura e distribuição de poderes dentro do Executivo, mas que parece assentar numa verdadeira inflexão estratégica quanto ao relacionamento com os nossos credores. Para já, é visível que Portas quer deixar para trás o estilo de Vítor Gaspar cuja ambição se esgotou no desejo absolutamente castrador de ser o bom aluno, educado e diligente, sempre na expectativa de que a sua fleumática indiferença às políticas de terra queimada fosse confundida com rigor e consistência por quem manda. Não resultou, como se viu, e nem os tão apregoados bons relacionamentos internacionais do ex-ministro das Finanças o dispensaram de cumprir o papel vexatório de ser uma espécie de correio limitado ao transporte de cadernos cheios de cortes cegos, errados, injustos.
Portas, o eterno sobrevivente, não quer acabar como Vítor Gaspar e, sobretudo, já não tem medo de gritar aos quatro ventos que a austeridade não é uma virtude. Traçou um plano, lançou uma ofensiva e tenta captar aliados. Não se sabe até que ponto Passos Coelho participou na elaboração deste plano, ou se, no mínimo, está de alma e coração com ele, mas, à primeira vista, não parece muito confortável. Se não, vejamos. Ao contrário do que sempre sucedeu com Gaspar, desta vez o Governo não se limitou a esperar pela chegada da troika para mais uma avaliação. Resolveu antecipar-se e fazer um périplo pelos que mandam no FMI, Comissão Europeia e BCE. Mais. Portas, com a sua ajudante Maria Luís Albuquerque, não se limitou a audiências de cortesia: levou um caderno de encargos cujo ponto central era a renegociação do limite do défice dos 4% estabelecidos na sétima avaliação para os 4,5 por cento. A folga pedida faz todo o sentido para, entre outros aspetos, impulsionar os pequenos sinais positivos que se detetam na economia. Ao primeiro sinal de desagrado vindo do lado dos credores, o que fez Passos? Pouco faltou para tirar o tapete a Portas. Mas este não se intimidou. Reafirmou o objetivo no Parlamento, chamou os parceiros sociais para acertar com eles o discurso e a estratégia de negociação com a troika e explicou publicamente as razões e o contexto desta mudança de rumo. Ou seja, há que reconhecê-lo, Portas fez tudo bem e Cavaco aí está a mostrar-se um seu aliado importante. Fazer política é isto mesmo.
2. Não há nada mais indecente do que rasgar um contrato com alguém que nada fez para o desonrar. Não há nada mais perigoso do que reduzir a pó um contrato social estabelecido com gerações de pessoas cuja idade e circunstâncias as impedem de refazer as suas vidas. Falo da lei que pretende reduzir retroativamente as pensões dos funcionários públicos que é, a todos os títulos, uma lei ética e moralmente reprovável. Neste caso, não se trata de o Estado dever ser uma pessoa de bem, é o Governo que não o é.