O Presidente da República convocou o Conselho de Estado (CE) com um objetivo que, aparentemente, não faz qualquer sentido, pelo menos agora. Discutir “as perspetivas da economia portuguesa no pós-troika, no quadro de uma União Económica e Monetária efetiva e aprofundada” é o mesmo que dissertar sobre o que pensará o burro quando está em frente ao espelho. Primeiro, porque não existe nem se sabe se alguma vez existirá esse “quadro” idílico que é “uma União Económica e Monetária efetiva e aprofundada”. Pelo contrário, o que se verifica é uma clivagem cada vez maior entre os países da moeda única, onde o mapa de uma Europa a duas velocidades se vai desenhando de forma mais nítida, com euros de primeira e euros de segunda, taxas de juro negativas para uns e juros usurários para outros, direitos sociais e bem estar para cada vez menos cidadãos e desemprego e pobreza crescente para a maioria. Isto para não se falar da hipótese de saída do euro de países como a Grécia e Portugal…
Em segundo lugar, o tema escolhido pelo Presidente não faz sentido agora porque há um conjunto de circunstâncias internas e externas que podem alterar substancialmente o cenário pós-troika. Do ponto de vista externo, temos as eleições na Alemanha, em setembro próximo, e não é indiferente para a Europa a vitória ou a derrota da sra. Merkel. Mas mesmo que a chanceler renove o mandato, a sua relegitimação dar-lhe-á mãos livres para desbloquear um certo impasse institucional, o que ajudará a clarificar o futuro da União. Haverá, também, eleições para o Parlamento Europeu, em junho do ano que vem, e não é despicienda a provável alteração da relação de forças se a esquerda conseguir retirar a maioria ao bloco formado pelo Partido Popular Europeu e os Liberais.
Finalmente, é à luz da situação interna que ainda menos sentido parece fazer a convocatória do Presidente. Se os portugueses não sabem o que lhes vai acontecer amanhã, que interesse tem discutir o mundo daqui a mais de um ano? E nesse espaço de tempo muita coisa pode mudar. Temos as eleições autárquicas já em outubro e as europeias em junho de 2014. Haverá, pelo menos, um Orçamento Retificativo, no mês que vem, e o OE do próximo ano. Tudo momentos delicados em que o expectável é continuarmos a assistir ao espetáculo degradante entre os dois partidos da coligação. Mais birras de Portas, mais vinganças geladas de Passos Coelho, mais divisões e grupos no Governo. Perante tudo isto, é perfeitamente legítimo perguntar se serão estes os protagonistas do cenário pós-troika, mesmo com o Presidente a ser a única mão que embala o berço deste executivo desacreditado e incompetente.
Cavaco não ignora toda esta incerteza. Pelo contrário, o PR é demasiado calculista e experiente para não ter equacionado todos os prós e contras. Porque resolveu, então, expor-se à incompreensão generalizada convocando o CE para uma discussão fora de tempo? Por uma única razão: Cavaco quer evitar que o PS (e a UGT) descole do arco das forças políticas que assumiram compromissos com a troika. Para isso, tem de dramatizar e nada melhor do que uma 7.ª avaliação turbulenta, cheia de condições e exigências dos credores para amarrar o PS ao mais violento conjunto de medidas até agora avançado. Cavaco vai-se fartar de dizer: “Depois não digam que eu não avisei…” E António José Seguro resistirá?