Não me apetecia nada falar da reentrada de José Sócrates na política, mas a verdade é que ela arrasta consequências que é impossível ignorar. Antes, no entanto, uma espécie de ponto prévio dedicado a todos os que andaram a subscrever abaixo-assinados, a fazer declarações inflamadas ou a promover teorias da conspiração tontas sobre este inesperado regresso: Sócrates voltou, graças a esta direita ignorante, incompetente e burra que nos governa. Não fosse a maior recessão de que há memória, o total desnorte de um executivo que só existe para cobrar impostos e a insistência numa política sem qualquer saída, e Sócrates não teria a mínima hipótese de tentar reescrever a parte de responsabilidade que lhe cabe na História recente do País. Por muitos erros que o ex-primeiro-ministro tenha cometido – e cometeu -, esta direita deixou de ter qualquer réstia de ascendência ética para o criticar. Sobretudo num momento em que são os próprios governantes a ensaiar uma tentativa de autodesresponsabilização pela situação atual. Ou não será revisionismo histórico a crítica de Vítor Gaspar a um memorando que “está mal desenhado”? Que é feito da memória, meus senhores? O gato comeu-a? E as intensas negociações entre PS e PSD? E a foto para a posteridade de Teixeira dos Santos e Eduardo Catroga? E a felicidade com que Passos Coelho assumiu o memorando como o seu programa de Governo e a autossuficiência com que afirmou a intenção de promover políticas que fossem além desse compromisso?
Voltemos a Sócrates. É dramático que um ex-primeiro-ministro tão pouco recomendável condicione desta forma os destinos do País. Isto diz bem da qualidade das nossas elites – o que, infelizmente, nem é fenómeno novo. As elites portuguesas foram, em geral, mais a reboque da História do que verdadeiros protagonistas e arriscaram sempre muito pouco. Preferiram fugir, muitas vezes… Talvez por isso, esse lado de dar o peito às balas é tão inédito em Portugal que acaba por justificar a influência de Sócrates. Uma influência que ele assume desejar e cujos efeitos já se vão sentir claramente nos próximos dias. No dia em que escrevo (terça-feira de manhã), o País está como que em suspenso. Depois dos últimos números nos darem bem a medida do agravamento da crise e de Gaspar revelar que não tem plano B, está tudo à espera da decisão do Tribunal Constitucional sobre o Orçamento. Essa decisão determinará o tempo de vida do Governo. A partir daí, será uma corrida contra o tempo para se encontrar uma saída para a crise política. A entrevista de Sócrates já inviabilizou a solução menos traumática: a formação de um Governo de emergência nacional de base PSD e PS, sem Passos nem Gaspar. Aliás, de uma assentada, o ex-chefe do Governo cumpriu um duplo objetivo inicial: fragilizar o Presidente para liquidar qualquer iniciativa deste de resolução da crise e cortar todas as pontes de entendimento entre Belém e o Largo do Rato. Doravante, restam a remodelação e as eleições. Ficando Passos e Gaspar, a primeira não resolve nada; uma ida às urnas só cria instabilidade e adia as soluções de que o Pais precisa com urgência. Além de que não resolvem nada, a crer nas sondagens. Estamos mais perto da Grécia…