Em termos operacionais, o autoproclamado Estado Islâmico já não se limita a combater nos territórios da Síria e Iraque. Mais recentemente, tem expandindo a sua marca para o Afeganistão, onde está em guerra com os talibã, e ainda para o Yemen, o Cáucaso e a Líbia, em cujo caos a sua influência é crescentemente preocupante.
Mas é no mundo virtual que o EI mantém sólida uma das suas principais linhas da frente. Apesar da guerra declarada pelos serviços secretos ocidentais e pelos grupos de hackers, são os terroristas que continuam a dar cartas, com a sua muito bem sucedida estratégia de comunicação.
Os novos media, em particular as redes sociais, converteram-se em armas e servem para intimidar e aterrorizar os “inimigos” do EI, e para manipular e recrutar jovens muçulmanos em vários territórios. Estima-se que a internet tenha desempenhado um papel importante na adesão de 90% dos jihadistas europeus às fileiras do Estado Islâmico.
“É óbvio que, neste século, a guerra mediática é um dos métodos mais poderosos. O seu rácio pode, de facto, atingir os 90% da preparação para combate”, concluiu, ainda em 2002, Ossama bin Laden, líder da Al Qaida, numa carta ao mullah Omar, chefe espiritual dos talibãs afegãos. Três anos depois, Ayman al-Zawahiri, então comandante operacional da organização, sublinhava: “Mais de metade deste combate tem lugar no campo de batalha mediático. Estamos numa luta mediática pelos corações e pelas mentes da umma [comunidade islâmica].”
No entanto, o trabalho de relações públicas da Al Qaida sempre deixou desejar. De um amadorismo confrangedor, foi uma espécie de beco sem saída em termos de comunicação. Era pouco sexy, atabalhoado, parado, geralmente girando à volta de figuras eruditas, apresentando ideólogos com uma mensagem hermética e impercetível, na qual os heróis não figuravam.
O Estado Islâmico é muito mais eficiente nessa matéria. Percebeu as regras fundamentais do marketing e a sua comunicação tem qualidade e quantidade. Vai ter com as pessoas onde elas estão, leva uma mensagem de conteúdo acessível e apelativo, e com narrativas eficientes, adaptadas à vivência cultural e às expetativas dos seus vários grupos alvo.
Nos últimos dias, vi centenas de vídeos, ouvi dezenas de pod casts e nashids (cânticos) e li textos que encontrei em sites de propaganda dos radicais islâmicos. Não consegui deixar de me espantar com a facilidade com que se chega a esse material. Não é preciso mergulhar na chamada dark web, recorrendo a ferramentas como o TOR browser. Tudo está bastante à superfície, acedendo-se-lhe com a maior das facilidades, utilizando navegadores como o Chrome e o Firefox e os termos de pesquisa certos.
A grande maioria desse material está ao alcance de um clique, nas redes sociais – do Facebook ao Twitter, com links para vídeos alojados em sítios como o Youtube ou Vímeo, sendo que alguns links vão dar a ficheiros guardados no respeitável Internet Archive.
O tema central é a comunidade de heróis, a camaradagem solidária entre guerreiros valentes que se apoiam mutuamente, independentemente da nacionalidade, da cor da pele ou da origem social. E há em tudo aquilo um cheiro de aventura.
A narrativa é apelativa. Tem predadores e vítimas, perdedores e ganhadores, maus e bons. Define uma visão do mundo, legitima a barbaridade com imagens impactantes, num formato de fácil partilha através das redes sociais. A mensagem simples “Vives numa sociedade injusta que não te oferece perspetivas. Junta-te a nós e sê alguém” chega com facilidade aos jovens que se sentem excluídos e desenraizados nas periferias de Paris, Estocolmo ou no Londonistão.
A qualidade dos vídeos em alta defenição, com efeitos visuais soberbos, e a qualidade gráfica das publicações remetem para uma máquina de propaganda altamente profissionalizada. É como se o Estado Islâmico dispusesse de um Fritz Hippler, diretor do Departamento de Cinema do Ministério da Popaganda do Terceiro Reich, e de uma Leni Riefenstahl, a cineasta fetiche dos nazis, dirigidos por um Joseph Goebbels, o mago da propaganda de Hitler.
Os jihadistas dispõem de um verdadeiro império de media que recorre a diversas plataformas, através das quais escoa a sua produção em diversas línguas.
Entre outubro de 2014 e outubro de 2015 (ano 1436 do calendário islâmico), o Al Hayat Media Center (responsável por conteúdos não arábicos) havia publicado 18 edições das suas principais revistas, entre elas a Dabiq, em onze línguas diferentes. A Fundação de Media Al-Furqan é a pedra basilar de todo o sistema que inclui centros de média nas províncias, responsáveis pela difusão de 710 vídeos, 1 787 reportagens fotográficas. E existe ainda a AJDN Media Productions, especializada em programas radiofónicos. Isto segundo a própria propaganda do EI, que colabora com outros canais jiadistas, como os Albatar Media, al-Khilafa-Media, Albayan Radio e al-Khalifa-TV.
A estratégia de distribuição é flexível. E o Centro Al Hayhat recorre mesmo à plataforma gratuita de criação de blogues WordPress.com para difundir a sua propaganda em língua inglesa, onde é permitido aos visitantes fazerem a subscrição dos conteúdos, usando o username do Telegram, uma aplicação gratuita para computadores, smatphones e tablets que permite a comunicação encriptada. Isso, apesar de a WordPress proibir aos utilizadores da plataforma expressamente conteúdos ilegais, violentos ou pornografia (aqui). O certo é que o blog (cujo endereço não publico deliberadamente) está no ar, com várias atualizações diárias.
Como já se referiu, as redes sociais são uma importante ferramenta dos jihadistas e estão pejadas de propaganda, nalguns casos com imagens extremamente violentas de batalhas e execuções. Pergunto-me: Como é isso possível quando o Facebook e o Youtube, por exemplo, se mostram tão pudicos em relação a imagens de nudez, apagando-as mal as detetam e banindo os utilizadores? Como é isso possível quando direitos liberdades e garantias são fortemente condicionados no Ocidente, em nome da luta contra o terrorismo?
Ainda na semana passada, o Washington Times noticiou que os serviços secretos dos Estados Unidos identificaram e localizaram três centros onde os jihadistas digitais do EI compilam, editam e finalizam os materias de propaganda adifundir através da internet. Situar-se-ão na Síria, Iraque e Líbia, no meio de zonas residenciais.
Segundo fontes citadas pelo jornal, só ainda não foram bombardeados porque a administração Obama receia baixas civis. Ora este receio de “danos colaterais” não convence quem acompanhou as duas guerras do Golfo Pérsico, outra no Afeganistão e outra na Jugoslávia. A não ser que se trate de uma novidade na estratégia norte-americana.
Mais plausível seria a explicação de que manter todos aqueles produtos do terror online permite aos serviços de segurança ocidentais continuarem a analisá-los, retirando deles informações que possam ajudar a combater os terroristas.
Bombardear os locais ou fechar as contas dos jihadistas e seus simpatizantes pode não chegar. Pelo menos no Ocidente, o mais importante será a criação de uma contra-narrativa que faça com que jovens radicalizáveis se sintam aceites e ligados à sociedade em que vivem. Mas essa é a parte difícil.