Quando Mário Soares assinou o papel no Mosteiro dos Jerónimos, eu tinha onze anos. Por isso, fiz muitos trabalhos de grupo sobre a CEE, cortei muitas fotografias de revistas, colei-as em cartolinas de muitas cores, onde começava sempre a escrever sobre a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e terminava sempre a falar do espírito europeu.
Esse tal “espírito europeu” era um sonho lindo. Os países ricos iriam apoiar os mais pobres (chamavam a isso “políticas de convergência económica”) e, juntos, iriam prosperar de forma harmoniosa e democrática.
Mesmo assim, nesse tempo, havia aqueles que, de um lado e de outro, se opunham a essa adesão. Os argumentos dessas duas partes eram diferentes, claro, mas a ambos sobravam razões: se uns falavam de patriotismo e perda de soberania nacional, outros invocavam internacionalismo e solidariedade entre os povos do mundo.
Hoje, parece incrível que alguém estivesse contra a entrada na União Europeia. A partir dos anos noventa, tornou-se difícil explicar às gerações mais jovens que esses indivíduos existiram de facto. Em polos opostos, seguiram caminhos semelhantes: ou foram candidatos ao Parlamento Europeu, ou bateram palmas e agitaram bandeiras. A sua opinião anterior perdeu a atualidade, como um penteado que se encontra nas fotografias antigas, como aqueles que eram maoístas e hoje são turistas ou médicos legistas.
Ao ritmo das presidências europeias, das capitais europeias da cultura e dos campeonatos europeus de atletismo, o tempo foi passando. De cinco em cinco anos, os comentadores das eleições para o Parlamento Europeu indignam-se ligeiramente com a “distância” dos cidadãos em relação às instituições da Europa, ficando essa falta de interesse visível nas percentagens da abstenção (66,2% em 2014). Essa indignação, no entanto, nunca ultrapassa o entusiasmo com que comentam os resultados partidários.
E, realmente, existe uma boa distância entre os cidadãos e essas instituições: ficam a milhares de quilómetros, noutro país, é preciso um avião para chegar lá.
Nas salas de reunião, eles dispõem de intérpretes para todos os idiomas. Se algum deputado falar em letão ou em esloveno, não há problema, basta pôr os auscultadores e alguém traduzirá. A nós, no entanto, falta-nos essa facilidade. Há muito que precisamos de intérpretes, alguém que explique o que estão realmente a dizer, mesmo quando falam a nossa própria língua.
Assim, de desinteresse em desinteresse, chegámos a hoje.
Hoje, a União Europeia é uma enorme instituição económica. Aquela que sempre foi a prioridade, a criação de um mercado europeu, transformou-se no seu interesse exclusivo. Deixou de valer a pena fingir que há outras áreas de relevância. À volta desse espaço, construíram-se muros que condenam à morte milhares de homens, mulheres, crianças, vemo-los na televisão e temos pena até à notícia seguinte.
Esse mercado europeu, esse espaço tão vantajoso para alguns, é como o recreio de uma escola do tempo em que eu tinha onze anos, quando fazia trabalhos de grupo e ainda se desconhecia a palavra bullying: os mais velhos batem nos mais novos, os que têm sapatilhas de marca humilham os que têm sapatilhas da feira.
Por sua vez, a União Europeia, antiga CEE, é comparável às ofertas de férias em time-sharing. Somos abordados na rua por jovens que nos querem fazer um inquérito. Depois de várias questões em que apontam as respostas com uma cruz, perguntam-nos: gosta de férias? Gosta de cocktails junto à piscina? E lá vamos nós para um escritório onde todas as ofertas são vantajosas, incluem seguro de saúde, são transmissíveis aos filhos e não é preciso pagar quase nada. Mal saímos à rua, parece-nos logo que fomos levados a fazer o que não queríamos. As consequências, no entanto, chegam mais tarde, quando as circunstâncias nos obrigam a ler o que assinámos de facto.
Em janeiro, passam exatamente trinta anos desde que Portugal é membro da União Europeia. Quem irá comemorar esse aniversário? Cerimónias oficiais à parte, quem virá espontânea e genuinamente para a rua celebrar esse dia? Apresentem-me essa pessoa, por favor, gostava de conhecê-la.
Se não entrássemos em 1986, se não concordássemos com as cotas de produção, as cotas de pescas, se não mudássemos de moeda, se não aceitássemos tudo, assustavam-nos sempre com o caos. Mas será que o caos era pior do que isto?