Como é geralmente sabido, o rei D. Pedro IV, horas antes de morrer, a 24 de setembro de 1834, no palácio de Queluz, onde nascera, trinta e seis anos antes, chamou para junto de si a imperatriz, D. Amélia, a quem manifestou o desejo de que o seu coração, embalsamado, fosse entregue à cidade do Porto, em testemunho de reconhecimento pelos devotados sacrifícios com que os portuenses lhe haviam afirmado a sua dedicação durante o Cerco do Porto (1832 – 1833).
O desejo do imperador foi cumprido.
O ato da entrega do coração imperial à cidade Invicta está reproduzido, na base de pedra de lioz, da estátua de D. Pedro IV, existente na praça da Liberdade, por um magnífico baixo-relevo em bronze. Lá está fielmente reproduzida a cena: o então presidente da Câmara, Dr. Vicente Ferreira Novais, acompanhado da vereação, todos de luto pesado, recebe a urna com o coração de D. Pedro IV, das mãos do coronel Baltasar de Almeida Pimentel, amigo pessoal e ex camarista do imperador.
Uma vez recebido o precioso legado à Câmara colocou-se uma melindrosa questão: onde depositar o coração de D. Pedro IV?
A primeira ideia foi levá-lo para a igreja da Serra do Pilar. Afinal fora ali que tudo se decidira. Um punhado de soldados liberais, comandados pela então capitão Torres, depois promovido a general, logrou ocupar aquele sítio estratégico da Serra do Pilar que durante todo o Cerco foi heroicamente defendido pelos seus ocupantes, apesar das constantes investidas dos miguelistas que, se tivessem ocupado aquele local, teriam facilmente destruído a cidade com a sua metralha. Justificava-se, de certo modo, que o coração de D. Pedro ali tivesse ficado. A importância daquele reduto defensivo dos liberais foi tal que é a única parte de Vila Nova de Gaia que faz parte do núcleo histórico do Porto que a Unesco classificou como Património da Humanidade.
Outro tempo lembrado como sendo digno de receber o coração do Rei Soldado, como na Porto tratavam o rei, foi a catedral. Afinal era, e ainda é, a nossa igreja mais representativa, a sede episcopal. Andava – se nisto quando a imperatriz perguntou ao Porto onde ia D. Pedro IV assistir à missa dominical e a outros atos religiosos: à igreja da Irmandade da Lapa. Então, mandou dizer a imperatriz, entregue-se o coração do imperador à cidade que, depois de obter a devida autorização de Irmandade da Lapa, o deve depositar na igreja desta corporação.
E assim se fez: o coração foi depositado na capela-mor da igreja da Lapa, num sarcófago cuja chave está na gaveta da secretária do presidente da Câmara.