Não existe, no Porto, cemitério como o da Ordem da Lapa, com o seu silêncio comovente e a nostalgia das coisas que foram. É o mais antigo da cidade e… o mais romântico. É nele que estão sepultados, no jazigo da família Freitas Fortuna, os restos mortais do insigne Camilo Castelo Branco. Foi a pedido deste que José António de Freitas Fortuna, bem sucedido homem de negócios da rua das Flores, deu guarida, no jazigo da sua família, às ossadas do célebre romancista. E à testa de cada gavetão, digamos assim, lá estão, bem vincados na lousa fria da tampa, os nomes dos ocupantes. Mas numa das tampas aparecem gravadas somente duas letras: C.S. Duas enigmáticas letras atrás das quais se esconde um intrigante mistério. Que vamos aqui desvendar.
À família Freitas Fortuna pertenceu o médico Urbino de Freitas, catedrático da Faculdade de Medicina do Porto que se envolveu num estranho caso de envenenamento de um sobrinho tendo, por isso, sido condenado a 8 anos de cadeia seguidos de um exílio de 20 anos. Urbino teve cinco filhos. Um deles, Emílio Urbino, depois de ter andado pela Bélgica, onde se formou em engenharia, regressou a Portugal e veio encontrar no lugar de perceptora de suas irmãs uma atraente jovem descendente de fidalgos alentejanos entretanto empobrecidos. Chamava-se Clementina Sarmento.
Entre a Clementina e o Urbino Emílio meteu-se o deus do amor. E foi tão forte a paixão que ambos fizeram juras de amor eterno. Corria o ano de 1902. A mãe do Urbino Emilio é que não gostou do idílio e despediu a perceptora das filhas. O marido, Urbino de Freitas, ainda penava no degredo africano. No Porto, Maria das Dores, assim se chamava a mulher do catedrático, tomou sobre os seus ombros a educação dos filhos e fez saber ao Urbino Emílio que para ele tinha em vista um casamento , social e economicamente vantajoso . Ele é que não aceitou a imposição. Saiu de casa, viajou para Lisboa onde, num quarto de hotel, se suicidou com um tiro na cabeça.
O corpo veio para o Porto e foi sepultado no tal jazigo do cemitério da Lapa. Dias depois da chagada do corpo do infeliz rapaz uma jovem rapariga vinda do Alentejo hospedou-se no melhor hotel que naquela tempo havia na cidade: o Hotel de Francfort, entretanto demolido para a abertura da avenida dois Aliados. No dia seguinte perguntou onde ficava o cemitério da Lapa. Saiu, regressou e não mais foi vista. Quando abriram a porta do quadro onde se hospedara encontraram-na morta com um tiro na cabeça. Era o cadáver da Clementina Sarmento. Ao lado do corpo estava um pequeno revolver e um papel com um pedido dirigido às suas antigas pupilas: “… tenho no vosso jazigo um lugar ao lado do nosso mártir. Não se opõe, não? Se acaso derem comigo a tempo, não me chamem á vida, ajudem-me a morrer. As nossas vidas pertenciam-se…”
E lá está no jazigo dos Freitas Fortuna identificada somente por duas enigmáticas letras: C.S.
Compreende agora o leitor por que o cemitério da Ordem da Lapa é o mais romântico do Porto?