Tal como acontece com a inteligência, a sensibilidade e a coragem, o poder de iniciativa é daquelas qualidades que se encontram muito mal distribuídas no ser humano. Vem esta constatação a propósito de um tipo de homem que sempre me fascinou, o marido instantâneo. Não, não se trata de uma subespécie de unicórnio luso em vias de extinção. O marido instantâneo existe mesmo. Eu que o diga que já tive um, infelizmente agora em modo demissionário. Mas foi bom enquanto durou. Ele tratava-me como se fosse a sua mulher, eu acreditei que tinha um marido e fomos felizes para sempre durante quase três meses.
Um marido instantâneo é, antes de mais, um rapaz ou homem que nasceu e/ou desenvolveu a capacidade, a aptidão e, quiçá, a vocação para marido. Não nasce com todos nem tampouco se desenvolve em todos os homens. Há muitos que atravessam toda uma vida sem jeito nenhum para a conjugalidade, enquanto outros parecem ter nascido ensinados. No fundo, é um bocado como o jeito para a Matemática ou para idiomas estrangeiros, quem é bom numa coisa, raramente se safa na outra. No meu caso, idiomas sim, matemática nem pensar, e no seu?
Um marido instantâneo é um homem que gosta de tudo o que implica ser marido, como tal, assume esse papel com grande à-vontade e naturalidade. Ele sabe fazer as compras do mês, ele gosta de ir à praça comprar peixe, ele organiza jantaradas em casa para os amigos, ele trata por tu todos os programas da máquina de lavar roupa, ele não teme o aspirador nem o pano do pó, ele domina a esfregona, ele tem paciência para ajudar os miúdos nos trabalhos de casa e gosta de lhes contar histórias antes da adormecerem. Um marido instantâneo sabe tirar partido das rotinas caseiras e reconhece charme no quotidiano. Não se maça de passear o cão nem de reciclar o lixo, safa-se quase sempre a pendurar quadros e candeeiros e ainda faz conversa à sogra quando ela aparece para almoçar ao domingo.
Chamo-lhe marido instantâneo porque, não raro, ele assume o seu papel de marido quase de um dia para o outro na vida de uma donzela. Na verdade, trata-se de uma rapaziada que gosta de arrumação e conforto na sua vida e que se revê num quadro familiar estável. E não se pense que pelo facto de o serem quase de um dia para outro, como que por magia, qual pudim Mandarim ao qual basta juntar água, que se desfazem à mesma velocidade. Nada disso. A vida mostrou-me que a maior parte se mantém no seu estado puro e que esse estado não se altera nem se adultera com o passar do tempo. Bom feitio, bonomia, docilidade e um coração de manteiga são fundamentais para ser um marido instantâneo. É claro que também existem esposas instantâneas, aliás, basta uma mulher estar profundamente apaixonada para deixar, de um dia para o outro, de ser uma toureira de salão ou uma amazona da urbe notívaga para se metamorfosear numa dona de casa dos anos 50, votada a essa mui nobre e eterna missão da cama, mesa e roupa lavada. E caso já tenha em si a vocação de fada do lar, tudo acontece com grande naturalidade e graça. Uma vez esposa feliz, para sempre esposa feliz, desde que a felicidade reine no quotidiano.
Numa era cada vez mais castigada pela tirania do Tinder, pela moda do toca-e-foge – ou, em bom português, pela moda da queca-e-foge -, é muito reconfortante pensar que o marido instantâneo continua a ser uma realidade. No fundo é como uma camisa branca, fica sempre bem em qualquer ocasião, da rotina à exceção, de dia e de noite, tanto à semana quanto ao fim-semana, fresco no verão e quentinho no inverno, um afeto estável, agradável, seguro e climatizado. Seria mesmo útil e pertinente a criação de uma aplicação para encontrar o marido instantâneo ideal. Eles andam por aí, encontrar estes maravilhosos unicórnios no mundo real é também, e sobretudo, uma questão de sorte.