Um dos maiores mistérios da minha existência chama-se tempo. Nunca percebo se é curto ou longo, embora a cada ano que passa acredite mais que seja cíclico e não linear. Tudo se repete, isso às vezes é bom, outras vezes é mau. Passo meses sem me lembrar de uma pessoa, de repente vem-me à memória o seu sorriso, a sua voz, coisas que me disse, e horas depois lembro-me que estivemos juntos no mesmo dia há quatro anos, ou recebo uma mensagem dela. Nenhuma ciência consegue explicar isto, os místicos chamam-lhe sincronicidade, uma série de coincidências com sentido e finalidade. O tempo é um grande ladrão, mas o pior nem é isso, o pior é acharmos que temos todo o tempo do mundo e talvez por isso tanta gente se dê ao luxo de fugir de si mesmo e dos outros.
As pessoas vivem a fugir dos seus problemas, dos seus traumas, dos seus medos, dos seus sonhos. E também dos seus desejos. Hoje não lhe vou telefonar apesar de já ter pensado nisso dez vezes, é melhor esperar dois dias antes de enviar uma mensagem, e quando o fizer, o mais prudente é não dizer que me faz falta e que tenho saudades. Vejo pessoas as fazerem este tipo de coisas todos os dias, ou melhor, a não fazerem, como se fosse uma falta de inteligência uma pessoa dizer o que pensa ou escrever o que sente, pagasse mais impostos por ser sincera, ou uma multa por dizer a verdade.
Mas será que é mesmo mais fácil fugir? Um dos grandes problemas de começar a fugir é nunca mais parar de o fazer. É como aquelas atrizes que operam o nariz, depois os olhos, depois as bochechas e depois o queixo. Nunca mais param. Aquilo que começou como um escape, torna-se um sistema e o ser humano é exímio em adaptar-se a sistemas, desde que lhe sejam confortáveis e aparentemente imutáveis. Não conheço ninguém que não viva fechado no seu próprio sistema de rotinas, hábitos, vícios secretos, restaurantes preferidos e modelos de casacos e de calças sempre parecidos. Um sistema é também um quadro complexo de padrões de comportamento que faz com que as pessoas repitam os mesmos erros e dificilmente consigam sair deles. Em vez de os combaterem, ignoram, evitam e fogem. E eu pergunto; fogem para onde? Eu sei que a terra é redonda, mas em algum momento todas as pessoas se cansam. É humanamente impossível fugir sempre, mentir sempre, fingir sempre.
Um dos livros que mudou a minha vida chama-se The Four Agreements, um guia prático para a liberdade pessoal. Li-o num Inverno particularmente frio e os seus ensinamentos aqueceram-me a alma. Para quem estiver interessado, aqui deixo os quatro princípios orientadores: 1. Sê impecável com a tua palavra; 2. Não tomes nada como pessoal; 3. Não faças assunções; 4. Faz sempre o teu melhor. Este pequeno livro foi um ótimo guia durante uma travessia mais longa. Desde então, cultivo a prática quotidiana destes ensinamentos com especial incidência para os pontos 1 e 3 em relação aos quais, pecadora me confesso, nem sempre sou totalmente exemplar. E no final, porque quase nunca é o que parece, havia ainda um quinto ensinamento que me deixou algo perplexa: abraça o Anjo da Morte. Eu já vi a morte, mas não a abracei. Prefiro abraçar a vida e depois, quando chegar a minha hora, então penso nisso.
Abraçar a vida é o oposto de fazer fugas para a frente. É enfrentar os medos, os traumas, os defeitos que nem sempre vemos no espelho, mas que uma voz sábia em modo grilo falante do Pinóquio nos aponta, quase sempre com a coragem do amor que nos tem. Enfrentar é ouvir os
outros e aprender a aceitar os seus defeitos, é não deixar nada por dizer, é perdoar, é seguir me frente quando é preciso sem medo de olhar para trás.
Quando digo que as pessoas andam aos encontrões, também me refiro a este toca-e-foge, matéria infelizmente prima da sociedade cada vez mais líquida e cada vez menos consistente em que nos movimentamos. Fugir para quê? You can run but you can’t hide. As pessoas que fogem dos outros, dos conflitos, dos problemas, estão a fugir de si mesmas. Estão ao fugir ao espelho das almas, à perguntas mais incómodas que fazemos a nós mesmos naquelas noites em que o sono tarda em chegar. Se continuarmos a fugir, acabaremos por cair para o lado de cansaço, sem chegar a lado nenhum, pois é sabido que quem foge, raramente sabe ao certo que rumo tomar.
Abraçar a vida pode dar mais trabalho, mete muito mais medo e nem sempre saímos a ganhar, mas continuo a acreditar que vale mais dar o peito às balas do que apertar a mão a inimigo ou perder a partida por falta de comparência. E não consta que alguém tenha conseguido fugir da sua própria sombra.