A palavra “HACK”, escrita a letras gigantescas no chão do pátio principal da sede do Facebook, pode ler-se lá bem alto dos céus. É este tom que o fundador Mark Zuckerberg quer que nunca se perca naquela rede social: há que furar o sistema (e as regras), ser subversivo e irreverente como um hacker. O mesmo espírito que reinava no dormitório de Harvard onde a fundou é o que ele quer que perdure hoje na empresa mais ambiciosa – e poderosa – do planeta. Quando visitei a sede do Facebook em Silicon Valley no ano passado, uma coisa ficou para mim muito clara: ali ninguém está para brincadeiras. Eles querem ser líderes absolutos da economia digital. Só que esta empresa, gerida por um bando de nerds em walking meetings (reuniões em andamento) e hackathons (encontros de brainstorming regados a margaritas pela noite dentro) é também a maior nação do mundo.
Uma nação que sabe tudo sobre nós e que tem o poder de escolher aquilo que nos passa à frente dos olhos todos os dias. Um poder incomensurável (nem uma ficção “orwelliana” faria melhor), tendo em conta que as horas que cada utilizador ali passa são muitas, e que os critérios com que nos filtram a realidade e escolhem o que nos mostram nas nossas cronologias não são públicos. O misterioso algoritmo EdgeRank, a chave do sucesso desta rede social, tem uma equipa de mais de 30 pessoas em permanência a trabalhar na fórmula e incorpora mais de 100 mil variáveis (sim, leu bem, são 100 mil!), e é ele que define tudo o que vimos quando entramos no Facebook, desde as notícias mais relevantes às fotos dos bebés dos nossos amigos. Não foi eleito, mas um rapaz de 32 anos chamado Zuckerberg tem mesmo a capacidade de influenciar vida (e a opinião) de milhões de pessoas. Não sei quanto a si, mas a mim tudo o que cheire a totalitarismos causa-me arrepios…
Vem esta reflexão a propósito das eleições nos Estados Unidos onde, nos últimos dias, se tem discutido o facto de conseguir influenciar o resultado eleitoral. A empresa tem vindo a ser alvo de críticas de censura e bloqueio da liberdade de expressão, critérios editoriais discutíveis e excesso de zelo do algoritmo nas imagens bloqueadas – a última das quais a da foto histórica da menina queimada por napalm no Vietname. Mas há mais: há quem acuse o Facebook de usar do seu poder para dar vantagens políticas. Em maio, a Gizmodo e o Guardian divulgaram histórias citando antigos trabalhadores da empresa que confirmaram que suprimiam constantemente da secção “Trending” notícias políticas de conservadores ou de sites associados a essa ala (como o Breitbart.com or Newsmax.com). O “Trending” só está disponível em inglês e em determinados países, mas nos EUA é uma ferramenta poderosa para dar gás a peças que estão a “bombar” na rede. Estas notícias, que a empresa se apressou em dizer que iria investigar reiterando os valores de isenção e apartidarismo, deixaram algumas cabeças pensantes com a pulga atrás da orelha: poderá o Facebook estar a fazer uma gigantesca, perigosa e antiética operação de filtragem com objetivos desconhecidos e consequências imprevisíveis? Só a mera hipótese teórica é apavorante.
Mesmo que tal não aconteça, é mais do que certo que, de duas formas, o Facebook pode mover relevantes cordelinhos numa ou noutra direção: a) Ajudando a fazer campanhas hiperdirigidas a targets muito específicos. Imagine que tem um filho com necessidades especiais, vai ficar sensibilizado se começar a ver notícias sobre as propostas de um determinado partido sobre essa questão, certo? b) Levando às urnas mais jovens com as suas meritórias campanhas pró-voto. Só que, dizem os especialistas ouvidos pelo Washington Post, isto tenderá (ainda que não intencionalmente) a privilegiar o Partido Democrata. Legítimo esforço antiabstenção ou manipulação de resultados eleitorais, eis a questão.
O mundo digital é o que é – terreno novo e com potencialidades ilimitadas, para o bem e para o mal – e não há como fugir disso. Mas é bom que exijamos que, aquela que é a maior nação do mundo, seja gerida obedecendo a regras democráticas.