Quando, no início deste ano, Mark Zuckerberg inaugurou o seu clube de leitura onde todos os meses partilha e lança a debate os livros que anda a ler, a escolha da obra inicial não foi ao acaso. Abriu as hostilidades com “O Fim do Poder”, de Moisés Naím (o venezuelano que foi diretor da Foreign Policy durante 14 anos), um livro sobre a mudança de paradigma no conceito de poder. Um ensaio sobre anti-establishment e as novas formas dos pequenos derrotarem os grandes, porem fim ao totalitarismo e derrubarem monopólios. Como diz Naím – na esteira de Malcolm Gladwell e outros que bem pensaram sobre o assunto -, no século XXI o poder é mais fácil de obter (porque a tecnologia serve de catalisador), mais difícil de utilizar (porque muito mais escrutinado) e mais fácil de perder (porque os rivais estão onde menos se espera).
Poder é mesmo um conceito basilar na cabeça de Zuckerberg. Em pouco mais de uma década, este rapaz passou de um miúdo num dormitório de Harvard a um dos homens mais poderosos do planeta. Ele, como poucos líderes no mundo, é influente a uma escala global. Influência que cresce exponencialmente a cada trimestre. Esta semana foram divulgadas as contas do Facebook, e mais uma vez, o mercado foi bombardeado com um impressionante leque de estatísticas. Esta rede social tem 1,55 mil milhões de utilizadores ativos, mais 14% do que no ano anterior. O Facebook é a maior nação do mundo, bem à frente da China e dos seus 1,388 mil milhões de habitantes. Uma em cada sete pessoas no planeta usa o Facebook diariamente para se ligar ao mundo, informar e relacionar-se. Tudo o que lá vimos é filtrado (a empresa prefere usar a palavra escolhido) pelo poderoso algoritmo EdgeRank, que determina o que nos aparece na timeline. Não vislumbro, nos dias de hoje, poder maior.
O Facebook está numa guerra cerrada, mas discreta para o comum dos mortais, para se tornar numa “one-stop-shop” cibernética global. Um serviço com inúmeros tentáculos, tantos quantos os necessários para agradar a todo o tipo de utilizadores e utilizações. Nalgumas frentes é, por enquanto, o vencedor inquestionável. Como rede social, há muito que bateu o rival Twitter tanto em número de utilizadores como nas receitas. Com a compra do Instagram, garantiu que a fatia dos utilizadores jovens que se estavam a afastar com a entrada dos pais e dos avós não lhe escapava. Hoje tem 80 milhões de fotografias partilhadas só naquela rede todos os dias.
E depois há aquelas áreas onde começa a morder os calcanhares dos grandes players mundiais. O Youtube, por exemplo. Zuckerberg anunciou agora que só o Facebook tem 8 mil milhões de visualizações de vídeos, e que mais de 500 milhões de pessoas a verem todos os dias. Mesmo contabilizando de forma mais generosa as visualizações (no Facebook 3 segundos contam como uma visualização, no Youtube exige-se 30), o número começa a ser bastante significativo. E as receitas que daqui provêm também.
Outra frente de batalha em curso é contra a Google, arquirrival tecnológico onde aliás Zuckerberg foi buscar grande parte da sua equipa. Há três semanas que já é possível fazer pesquisas (por enquanto só em inglês) de temas e conceitos no Facebook, através de uma keyword, e não apenas amigos ou instituições. E esta ferramenta singela ainda em testes pode mudar tudo quando for implementada a todo o gás: pois se ali há notícias, comentários e amigos, grande parte das pesquisas que antes se fazia no maior motor de busca do mundo podem passar a ser feitas dentro da rede social. Com a vantagem de que os resultados são mais personalizados, porque têm em conta parâmetros que o motor de busca não apanha (os tais de que o EdgeRank se alimenta).
O Notify, a aplicação de notícias prestes a ser lançada para a semana, que permite ter acesso a conteúdos informativos selecionados de títulos de comunicação de referência, é outra frente de batalha do Facebook. Desta vez, o alvo é a Apple News. E a bem dizer, todos os meios de comunicação social que não estão associados ao serviço. (E mesmo para os que estão associados, não é certo – por enquanto o modelo de negócio é generoso, mas não garantias que se mantenha assim).
No Messenger, separado como app autónoma, pode estar o início de um “e-mail killer” (como o case-study Slack). Na Oculs Rift, empresa que comprou em Março de 2014, há caminhos por desbravar na promissora área da realidade virtual que agora desponta.
Mas a ambição de Zuckerberg vai além de crescer e derrotar os players que existem. Ele quer mais, muito mais. Ele quer sete mil milhões de utilizadores, mais coisa menos coisa. Ou seja, todos os cidadãos do planeta. Ligar o mundo é a sua secreta missão número um, que tem tanto de idílica e benemérita como de oportunista.
Para o conseguir, há primeiro que levar a internet aos quatro cantos do mundo, coisa que está longe de acontecer hoje. Zuckerberg conseguiu reunir um conjunto de empresas, onde também se incluem a Ericsson, Qualcomm, Nokia e a Samsung, e fundou a Internet.org, uma organização que se apresenta com o objetivo de levar internet aos dois terços da população que não têm acesso a ela. O plano passa por implementar parcerias estratégicas, já que 85% dos humanos vivem dentro do raio de acesso de uma torre que permitira implementar uma rede com pelo menos 2G de dados. Os restantes 15%, em pontos remotos de África ou Ásia profundas, teriam rede via drones, satélites e lasers, um objetivo mais complexo de longo prazo. E com a net viria, claro, o Facebook. Com todo o potencial lucrativo que isso representa.
Quando visitei em Março deste ano a sede do Facebook em Silicon Valley, fiquei com a clara noção de como esta aspiração global faz parte do ADN daquela casa. Na praça central do gigantesco complexo de escritórios, que nalguns aspetos também parece um campus universitário, um parque de diversões ou um bar da moda, está a palavra “HACK” em letras gigantescas. Simboliza a forma de estar do Facebook – andar depressa, quebrar as regras, ir mais além. As palavra é visível do céu, ou quiçá, até do espaço. Está certo, é essa a medida da sua ambição.