Durante séculos, a Europa foi o centro em redor do qual girou o resto do mundo. Por uma razão objetiva: era na Europa que se concentrava, apesar da diversidade do seu território, o maior número de pessoas com acesso à educação e à cultura, bem como o maior poder económico. Graças a essa vantagem, a Europa conseguiu espalhar a sua influência pelo mundo em todos os domínios: industrial, científico, artístico, comercial e até político. As ideias emanadas deste continente, tantas vezes dividido e martirizado por guerras sucessivas, alastraram e foram gerando impérios que se substituíram uns aos outros, mas sempre com base numa mesma raiz fundadora. Esse tempo, no entanto, está a acabar.
Não é preciso ser-se especialmente perspicaz ou possuir um conhecimento enciclopédico para perceber os sinais que se avolumam de dia para dia: a luz da Europa, que, durante tantos anos, iluminou o mundo, dá sinais de estar a extinguir-se. Ou, no mínimo, a perder a sua importância e relevância no concerto global das nações.
Os ideais democráticos europeus estão em regressão, um pouco por todo o lado, num tempo cada vez mais dominado por líderes nacionalistas em Washington, Pequim e Moscovo, todos com desejos de domínio global, exibindo a sua força e sem receio de propagar a divisão para melhor reinar. Em simultâneo, o multiculturalismo mostra-se em desintegração, e as desigualdades crescentes e impensáveis, até há bem pouco tempo, fazem aumentar as tensões em sociedades que pareciam pacificadas.
Numa economia dominada pelas novas tecnologias, a presença da Europa no mundo está também a ficar cada vez mais na sombra da China e dos Estados Unidos da América. Com as duas superpotências a procurarem a liderança mundial e mais preocupadas em vigiar-se mutuamente, a Europa vai perdendo a sua posição estratégica e também de mercado: até porque começam a surgir muitos outros, igualmente numerosos e atrativos. A realidade com que é preciso lidar foi bem descrita, recentemente, por Yascha Mounk, professor de Harvard, numa entrevista ao Le Monde: “Pela primeira vez, a economia dos países autocráticos, como a China, vai ultrapassar a dos países europeus.” Para detalharmos ainda mais o retrato, podemos também lembrar que, atualmente, não existe qualquer empresa europeia nas maiores tecnológicas do mundo e que, sem apelo nem agravo, em tudo o que diz respeito a Inteligência Artificial, onde se vai jogar grande parte do futuro económico do planeta, o Velho Continente está a anos-luz dos EUA e da China.
Neste contexto, não é difícil perceber a enorme relevância que podem ter, este ano, em maio, as eleições para o Parlamento Europeu, órgão que ganhará poderes acrescidos e maior protagonismo nas decisões da União. Em França, Emmanuel Macron tem mostrado a sua preocupação com o futuro da Europa e apresentou, na última semana, um manifesto, publicado nos 28 países, em que defende uma série de reformas e mudanças no funcionamento e na estratégia da UE. Depressa, na Alemanha, surgiu a resposta, não da parte de Angela Merkel, mas da sua “sucessora”, Annegret Kramp-Karrenbauer, líder da CDU, rebatendo muitas das propostas de Macron e defendendo o statu quo atual, abrindo, assim, um debate que promete durar entre as duas “locomotivas” europeias.
Por cá, no entanto, a pouco mais de dois meses das eleições europeias, continuamos todos a assobiar para o lado sobre o que pode e deve ser o futuro da UE e os seus desafios no mundo atual, sempre muito mais preocupados com as eleições de outubro do que com as de maio. Com uma ou outra exceção, ou um outro discurso de circunstância, quase sempre em fóruns fechados e reunidos de propósito para o efeito, ainda não sabemos muito bem o que propõem os partidos portugueses, por exemplo, sobre a economia, a defesa, a competitividade e a democracia na Europa. Continuamos à espera que o digam de forma clara, substantiva e direta, sem o recurso habitual ao jargão de Bruxelas e de Estrasburgo nem o receio de afrontar os seus parceiros europeus. Como o tema do futuro da Europa ainda não chegou ao nível do entretenimento, continuamos, assim, enredados numa espécie de reality show. Com o mundo a mudar lá fora.