Nos regimes autoritários, a melhor maneira de evitar problemas é impedir que as pessoas leiam livros e notícias que as façam pensar, ou histórias que as indignem contra o sistema. Por isso, a fórmula negra do totalitarismo inclui sempre restrições à liberdade de imprensa e à forma como as pessoas comunicam e se informam. Uma espécie de palas nos olhos, como se fazia aos burros e aos cavalos, para lhes reduzir o campo de visão lateral e evitar distrações, concentrando-os, cabisbaixos, no caminho.
O que, não parecendo, me leva ao Facebook. Mark Zuckerberg, 33 anos, é o líder incontestado da maior nação do mundo. Tem 2 mil milhões de pessoas – mais de um quarto de toda a população mundial – debaixo do seu “regime” e que, em grande medida, dependem dele para comunicarem e se informarem, ou seja, para se relacionarem com os amigos e com o mundo.
Zuckerberg, bem entendido, tem bem noção do enorme poder que tem entre mãos. Creio que, quando um dia decidiu fazer um “livro das caras” para ajudar os colegas de Harvard a encontrar “dates”, nunca imaginou que tal coisa pudesse acontecer. Mas, mal se instalou no ecossistema de Silicon Valley, onde se acredita no poder ilimitado da tecnologia e se trabalha para a eternidade da espécie humana e para colonizar Marte, depressa se aculturou: quem, como eu, teve oportunidade em 2015 de visitar a sede do Facebook em Menlo Park e a forma como ali se trabalha, depressa fica sem quaisquer dúvidas: Zuckerberg quer ligar e conquistar o mundo, um amigo de cada vez.
Na semana passada, depois de alguns alertas neste sentido, Zuckerberg anunciou formalmente que o Facebook vai passar a dar menos destaque às notícias nas timelines dos utilizadores, privilegiando as histórias dos amigos e o conceito de comunidade, o que ele chama de “interações sociais enriquecedoras”. As instruções são para que, a partir de agora, as centenas de engenheiros que trabalham diariamente a apurar o Edge Rank, o poderoso algoritmo que filtra o que vimos na nossa cronologia, passe a esconder ou subalternizar as notícias e o jornalismo de qualidade. Esta é uma reviravolta na estratégia da rede social, que andou a namorar com os grupos de media (oferecendo a promessa de partilha de receitas com a criação do newsfeed, os instarticles e os diretos), deixando-os enfeitiçados, que é como quem diz, dependentes. Estes viram ali a forma de chegar aos leitores (e às receitas) que lhes escapavam diretamente, e agora o Facebook puxou-lhes o tapete.
Mas o que mais me aflige é mesmo o impacto devastador que esta medida tem na cabeça das pessoas. Não nos iludamos: hoje em dia, é nas redes sociais que uma esmagadora fatia da população mundial passa grande parte do seu tempo, se “cultiva” e se “informa”. Sem qualquer consciência de que, o que lhes passa pela frente, é afinal filtrado – uma espécie de realidade paralela que lhes é dada a ver, tendo em conta uma série de critérios que não são públicos. Este conceito, só por si sinistramente orwelliano, implica um poder gigantesco e uma responsabilidade acrescida. Se o Facebook é, para muitos, a única porta para o mundo, tem de se lhes ser oferecido o mundo. Isolá-los na bolha dos amigos e das “interações sociais enriquecedoras”, deixando de fora tudo o que se passa à sua volta e que o jornalismo de qualidade oferece, é estimular os guetos. E as fake news. E o pensamento único. Zuckerberg vai meter palas nos olhos de 2 mil milhões de pessoas. Como se fazia aos burros.
(Editorial da VISÃO 1298, de 18 de janeiro de 2018)