A fotografia de Dijsselbloem, de sorriso a meia haste, ao lado do seu sucessor Mário Centeno não podia ser mais emblemática. O homem que nos últimos anos foi porta-voz da austeridade, fazendo suas as palavras do verdadeiro líder do Eurogrupo – o ministro das Finanças alemão Wolfgang Schäuble –, vê-se agora substituído por um dos “insubmissos”. Um tipo do Sul, daqueles países que, nas palavras do próprio, “gastam tudo em copos e mulheres” vai liderar o grupo dos 19. Que fina ironia do destino: Portugal aos comandos de quem decide as contas da Europa. É a vitória simbólica dos PIIGS.
É preciso perceber como se chegou aqui. Centeno ascende a líder do Eurogrupo graças, desde logo, a um mérito próprio inquestionável: ele é um ultrapreparado ministro com um currículo académico brilhante e um raro doutoramento em Harvard que o coloca taco a taco com o mais alto nível do sistema financeiro mundial. Traz na bagagem uma reviravolta nas contas públicas de um país que viveu as agruras da austeridade. Tem a seu favor um défice de 1,5% do PIB, um desemprego em mínimos desde 2008 e o fim do Procedimento por Défice Excessivo – ou, como muitos colocam a coisa, um caminho alternativo que deu frutos, depois, é certo, de beneficiar da travessia do deserto feita antes.
Mas chegou aqui também, não tenhamos dúvidas, graças a uma combinação rara de fatores por estar no sítio certo à hora certa (como sempre, aliás, nestes casos). Faz sentido que a pasta seja ocupada por países mais pequenos, capazes de reunir consensos. E Portugal acabou por receber um empurrão da Alemanha (mais uma ironia), já que Frau Merkel, depois de fracassadas as negociações para uma coligação “Jamaica” (com os Verdes e os Liberais), teve de se voltar para os socialistas novamente para tentar uma nova grande coligação. Um ponto a favor da solução Centeno, vista com bons olhos por Martin Schultz. Uma vez que o partido Popular Europeu lidera já várias entidades – incluindo o Banco Central Europeu com Draghi –, deixa-se esta cadeira menos importante para outras forças políticas. A saída de cena do italiano Pier Carlo Padoan, graças à incerteza da sua renomeação, fizeram o resto.
Eleito Centeno, resta saber se o que lhe oferecem não é, afinal, um daqueles presentes irrecusáveis… mas envenenados. A tarefa abre guerras em várias frentes e vai trazer, com toda a certeza, alguns amargos de boca. É muito difícil representar os interesses nacionais e ser porta-voz de um grupo tão opaco e díspar, com vontades por vezes inconciliáveis. Será preciso tomar partido e, inevitavelmente, dar a cara por posições conjuntas garantidamente polémicas. Não será difícil ver-se entre a espada e a parede, tendo de contradizer ideias que defendeu antes no papel de “pequeno contestatário”.
Dentro de portas, é um trunfo para os parceiros de geringonça, cada vez mais difícil de manter a funcionar. Na visão binária de certa esquerda, Centeno vai ser o rosto dos “maus”, e não vão perdoar isso para tentar ganhar pontos. António Costa terá de gerir (mais) este risco.
Efeitos imediatos? Mais rigor, espera-se. Como dizia Marcelo Rebelo de Sousa, a tarefa representa uma “exigência acrescida”, vai ser preciso “andar na linha e não ter aventuras”. Coisas como ceder perante os professores, empurrar problemas com a barriga, transferir despesa para a frente e aumentar despesa pública mas só adiante? Isso era dantes…