Quase três meses depois do “alegado” roubo de armamento em Tancos, continua sem se saber rigorosamente nada sobre o que se passou, de facto, no paiol que, supostamente, deveria ser dos mais bem guardados do País. Ou melhor, o que se sabe não é nada bom: sabe-se que se instalou a confusão total na hierarquia do Exército, sabe-se que existe uma desconfiança cada vez mais visível entre militares e políticos, sabe-se que aquilo que é verdade hoje passa a ser depressa mentira no dia seguinte, sabe-se que o ministro da Defesa devia ter ficado mais vezes calado do que aquelas que falou, sabe-se que a cada nova informação que é divulgada ficamos ainda menos esclarecidos do que estávamos antes, sabe-se que os partidos da oposição vão naturalmente continuar a investir neste dossier com o mesmo ímpeto do pugilista que conseguiu encostar o adversário às cordas, sabe-se que o Governo anda perdido na gestão desta crise, só desejando que possa aparecer o videoárbitro a salvá-lo, e sabe-se, finalmente, que este folhetim vai durar, durar, durar. E aquilo que não se sabe, desconfia-se: este é um daqueles casos que, como infelizmente tantos outros, nunca será completamente esclarecido.
Neste momento, com o nível de informação disponível, sou incapaz de afirmar que o roubo – ou o “alegado furto”, como quis sublinhar o ministro Azeredo Lopes – daquele armamento constitui ou não uma ameaça à segurança nacional, como alguns insistem em afirmar. Faltam dados, perícias, análises independentes e objetivas que possam sustentar uma conclusão desse tipo – e se elas existissem, então, deveríamos estar, isso sim, a exigir que se tomassem as medidas necessárias para a efetiva proteção da segurança nacional em vez de continuarmos a procurar a causa das coisas. Do que não tenho dúvidas, sinceramente, é que todo o caso de Tancos representa uma valente machadada na credibilidade do Estado, na relação de confiança que os cidadãos devem manter com as instituições que têm por missão protegê-los.
Não está em causa, sequer, o furto do armamento – por mais “alegado” que ele seja. Embora essas situações devam ser evitadas, todos sabemos que nada nem ninguém está livre de, um dia, poder ser assaltado ou roubado – e o risco disso suceder é cada vez maior, como provam os ciberataques a empresas e instituições por esse mundo fora, tantas vezes coordenados, segundo parece, ao mais alto nível, envolvendo serviços secretos e organizações ocultas. O problema aqui é mesmo mais básico e reside na mais absoluta ausência de respostas às muitas perguntas e interrogações que se têm acumulado ao longo destes quase três meses.
No estado a que isto chegou, até já nem seria mau que estivéssemos unidos no mesmo lamento, resumido no ditado popular que todos sabemos de cor desde crianças: “depois de casa roubada, trancas à porta”. Mas não é isso que acontece. Na verdade, quase três meses depois, apenas sabemos que a casa foi “roubada” – e, mesmo assim, alegadamente. E ninguém nos consegue dar garantias de que já foram postas as “trancas” em todos os locais necessários.
O mais lamentável, no entanto, é que podemos chegar ao fim disto tudo sem ficar a saber a verdade sobre o que se passou. E sem que isso tenha consequências. Mesmo que sacrifique o ministro, após as autárquicas, o Governo dificilmente conseguirá encontrar uma narrativa que explique realmente o que sucedeu e que justifique todos estes meses de confusão. Mas os partidos da oposição também não poderão avançar muito mais nas suas críticas, sem deixarem de ser acusados de minar ainda mais a credibilidade das Forças Armadas, depois de, na sua passagem pelo Governo, lhe terem reduzido os orçamentos para níveis abaixo dos aceitáveis. Todos perdem no jogo político. E ninguém ganha no papel, que devia ser obrigatório, de credibilização das instituições basilares do Estado – e esse pode representar, no futuro, um furto muito maior do que o das armas de Tancos.
(Editorial da VISÃO 1282, de 27 de setembro de 2017)