A fraude nos produtos biológicos, denunciada na semana passada pela VISÃO, deixou muitos – consumidores e produtores – em choque. O propósito deste grande trabalho foi lançar o debate e trazer luz a um mercado em crescimento exponencial, onde infelizmente ainda existe muita desinformação. Quisemos, desde logo, explicar a grande confusão que existe nos pontos de venda, onde, mesmo em lojas especializadas, se encontram misturados produtos biológicos e não biológicos, sem o respetivo selo de certificação. O segundo ponto deste trabalho, e aquele que porventura mais surpreendeu os leitores, foi a análise de 113 produtos certificados como biológicos. Fizemos esta escolha tendo por base uma abordagem científica e rigorosa, sendo as análises encomendadas ao Labiagro, um laboratório independente e acreditado. Não sabíamos obviamente o que iríamos encontrar.
A metodologia deste estudo de mais de 1200 páginas foi definido com este propósito específico: analisar um cabaz de produtos que chegam a casa dos nossos consumidores e perceber se todos eles ofereciam o que prometiam – produtos sem químicos sintéticos. Para efeitos laboratoriais, fomos às compras como um cliente mistério com indicações de quantidades e números de amostras, alimentos sólidos ou líquidos, embalados ou a granel, frescos e conservados, nacionais e estrangeiros. A partir daqui, os produtos e marcas escolhemo-los nós, tal como faria um consumidor informado, com a preocupação de que todos os 113 produtos analisados tivessem o selo da certificação biológica.
As conclusões do estudo são conhecidas e preocupantes: um em cada cinco produtos bio à venda em Portugal afinal não o é. O problema é transversal: encontrámos, entre os prevaricadores, produtores nacionais e estrangeiros, grandes e pequenos. Uma informação de interesse público que deixa claro que alguma coisa está a falhar algures no processo: na produção e na distribuição mas também na certificação e na fiscalização. Esta semana voltamos ao tema, explicando qual o controlo que existe para este tipo de produtos.
Porque não publicamos os nomes e marcas dos produtos contaminados? Qualquer estudo deste tipo, para ser sério, rigoroso e representativo – a única forma que a VISÃO admite –, tem de ter métodos diferentes consoante o propósito. O nosso, neste caso concreto, foi analisar o que se pode encontrar num cabaz familiar e assim olhar transversalmente para o setor. Para se condenar produtores ou marcas específicas, teríamos de ter outro método, com outras amostras, com vários produtos de cada um deles. Porque são cerca de 4000 só os produtores nacionais, para sermos justos e apontarmos algumas marcas, deixando de fora outras, teriam de ser feitas milhares de análises. O mesmo se quiséssemos denunciar as distribuidoras – teríamos de ir a todas elas e comprar o mesmo número de produtos. Não somos polícias, não somos fiscais, não somos juízes, somos jornalistas.
Não temos dúvidas que esse trabalho tem de ser feito, sim, mas pelas autoridades que têm essa competência. É, aliás, urgente que se o faça – há casos que podem ser de saúde pública, como o da couve que continha 12 vezes mais glifosato do que o legalmente admissível para uma couve normal. Investigue o Ministério da Agricultura, investigue a ASAE. Aposte-se mais na autorregulação. Nós fizemos a nossa parte: denunciar que existe um problema sério, ajudando a formar uma opinião pública responsável, aliás o primeiro ponto do nosso Código de Conduta. Descobrimos o que pode ser a ponta do icebergue e lançámos o debate, as autoridades que façam agora aquilo que lhes compete: zelar pela qualidade do que é posto à venda.
Pedir os nomes das marcas e dos produtores e fingir que não existe um problema no setor é enfiar a cabeça na areia e passar ao lado do essencial. Encontrámos estes, poderíamos ter encontrado outros. A VISÃO continuará na senda de trazer luz onde ela não existe. Mas não servirá para resolver as coisas à velha maneira portuguesa, ajudando a fazer bodes expiatórios para continuar tudo na mesma.